sábado, 31 de março de 2012

A Heresia do Século

TEOLOGIA DA PROSPERIDADE – A HERESIA DOS NOSSOS DIAS
Pe. Mário Fernando Glaab
            “Se Deus quiser”, é o que mais se ouve quando o assunto é sonhos e desejos das pessoas. Ainda mais quando elas estão em situações complicadas nas quais as forças humanas parecem falhar. Como resolver certas questões que fogem às capacidades materiais, intelectuais e profissionais dos indivíduos? O jeito é apelar para soluções religiosas. Deus pode e deve intervir, pois ele é o todo-poderoso, afirmam. O segredo a ser descoberto não está no poder dele, mas na forma de se chegar melhor a ele, isso é, por meio de que religião ou de quais práticas piedosas; onde funciona melhor tal acesso, ou por onde se chega antes? E, por outro lado, não se tem nenhum escrúpulo em afirmar, quando as coisas não deram certas, quando faltou sorte, que “Deus não quis!” Acidentes, doenças, reprovações em provas, insucessos nos negócios, tudo acontece porque “Deus não quis”. Pior ainda, por vezes, quem leva a culpa daquilo que não deu certo é o diabo. Pobre do diabo! - Bode expiatório das incompetências humanas.
            Explorando a confiança em Deus, tão enraizada no povo simples de todos os tempos, surge, com forte poder de sedução, a heresia da teologia da prosperidade. Ela não é novidade de nossos dias, mas nos últimos tempos cresceu e assumiu proporções assustadoras. Por sobre os desafios cada vez mais prementes da sociedade atual, ela encontra terreno fértil. É bem mais confortável “confiar” em Deus do que arregaçar as mangas e ir para a luta. Quando, por omissão ou incompetência, não se alcança o esperado, jogar a culpa em Deus ou no diabo, também é mais fácil. Contudo, isso não é somente fruto de uma doutrina mal entendida do costume de rezar para pedir sucesso nos empreendimentos; mas é planejado e ensinado por pegadores interesseiros. Não há dúvida de que já desde o início da era cristã, esse aspecto, por falta de conhecimentos e por interesses estranhos, existiu e persistiu. Basta lembrar os abusos na Idade Média com a venda de indulgências que provocaram a revolta dos reformadores. Em nossos dias, no entanto, o problema está tomando proporções alarmantes.
            Tudo parte da concepção de Deus que se tem e que é ensinada, tantas vezes ta distante do Deus bíblico. O Deus que se revela na bíblia, principalmente no Novo Testamento, é o Deus-amor (cf. 1 Jo 4,16). Ele não sabe fazer outra coisa a não ser amar. Ele não pode querer o mal nunca; e nem sequer pode não querer o bem de suas criaturas, especialmente de seus filhos e filhas. Ao ser coerente com a visão bíblica de Deus não se pode admitir que Deus-amor possa “permitir” que o mal aconteça para alguém. O mal existe porque as criaturas são limitadas e, como tal, sujeitas a ele. Os seres humanos provocam-no ao usar inconvenientemente a liberdade, que também é finita. Contudo, o apoio e a graça de Deus estão sempre ao dispor de cada um, sem discriminação. Deus não ama mais um do que o outro, só porque este fez algo de bom; e Deus não deixa de amar alguém porque fez algo errado; isso porque Deus é bom. É sempre bom saber que Deus ama cada ser humano não porque o ser humano é bom, mas porque ele é bom. Deus fez o ser humano bom por ser o Deus de bondade. Este é o núcleo central do anúncio de Jesus de Nazaré. E é essa Boa Nova que precisa ser descoberta sempre de novo. Ela se encontra não em abstrações aéreas, mas no encontro vivo com a pessoa, a história e a vida concreta de Jesus de Nazaré, que hoje se torna possível quando se tem os pés no chão, isso é, quando se experimenta a presença e a ação dele na vida do planeta, principalmente na vida ameaçada dos seres humanos. A vida ameaçada grita mais forte no rosto dos pobres de todos os tipos: pobres de bens materiais, pobres de cultura, pobres de fé, pobres do sentido da vida. Aí é que o anúncio vivo do Evangelho se torna verdade. Verdade que é compromisso de transformação. O Homem de Nazaré está aí, não para com um toque de mágica resolver todos os problemas dos humanos, mas para doar continuamente a sua vida, para que todos tenham vida em abundância (cf. Jo 10,10). Uma vez de posse dela, partilhá-la entre si, e assim, ajudando-se mutuamente, vencer o mal pelo bem.
            Por isso é mais do que urgente redescobrir o verdadeiro Deus bíblico, o Deus de Jesus de Nazaré. Muitos deuses falsos apareceram durante a história. O que muda é a maneira como eles se apresentam. Mas na essência são sempre os mesmos. Para enganar, eles são tentadores: prometem tirar as cruzes dos ombros de seus seguidores, aliciam com promessas de prosperidade, muito sucesso nos negócios e, aliviam as consciências dos faltosos jogando a culpa no diabo. Assim vale a pena viver! Todavia, em sã consciência, pode-se dizer que é esse o Deus revelado em Jesus de Nazaré?
            No mundo globalizado onde tudo vale quando dá lucro, onde as leis do comércio ditam as regras, também as religiões são envolvidas no mesmo emaranhado. Se no passado havia abusos que exploravam a fé das pessoas, hoje eles são mais numerosos. Não se teme tomar o nome de Deus em vista de vantagens pessoais ou do grupo. Existem inúmeros os pregadores que literalmente vendem graças, bênçãos e curas, tanto físicas como espirituais. Quanto mais o fiel investe orando e pagando, tanto mais Deus é obrigado a atender. Os diabos são expulsos pela força que o pregador diz possuir – mas não faz uso desse poder sem esperar algo em troca. Contudo, essa prática não se restringe apenas a certos grupos mais exaltados, está presente em quase todas as igrejas. Algumas conseguem camuflar e elevar o nível das pregações, mas não estão livres da visão errada de Deus e da prática religiosa. O que querem é “aproveitar” do desejo de ser bem-sucedido, tão em voga no homem contemporâneo, e assim fazer adeptos e levar vantagens. Como diz um teólogo: “Não obstante as diferenças históricas, as indulgências de ontem e os rituais de prosperidade de hoje tomam como base da operação religiosa o desejo humano de ser bem-sucedido nessa e na outra vida” (João D. Passos). É a teologia da prosperidade que se constitui em heresia, mais perigosa hoje que no passado.
            De quem é a culpa? Sem querer apontar um culpado, convidamos à reflexão. Se as igrejas se preocupassem mais em ter suas doutrinas sempre atualizadas, bem explicadas e acessíveis aos fiéis em geral, será que não mudaria muita coisa? Ter consciência, como diz outro teólogo, que “a teologia deve ser viva e estar a serviço da vida, mesmo que para tal tenha de repensar aquilo que outrora era verdade inquestionável” (Silas Guerriero) não ajudaria a evitar tais abusos? Quem sabe, se de fato a teologia se tornasse importante, isso é, fizesse o seu papel de interpretar as coisas deste mundo à luz da fé, dar a elas o seu sentido último em cada época e em cada situação; se os teólogos fizessem o seu trabalho com dedicação e sinceridade, visando a verdade sem interesses próprios; se os pregadores dessem mais atenção aos teólogos; e, se os fiéis não engolissem qualquer pregação, mas se perguntassem sobre sua origem e seriedade, a heresia cairia vertiginosamente.
            A heresia da teologia da prosperidade somente será vencida quando cada um e cada uma assumir a sua dignidade e, consequentemente, os seus compromissos. O ser humano é sempre finito e assim se depara com suas limitações. Precisa, no entanto, assumi-las com responsabilidade. Não atribuir a Deus o que cabe a ser humano fazer e, igualmente não culpar a Deus ou ao diabo pelos seus erros e suas limitações.

Referências bibliográficas
PASSOS, João Décio. Ser como Deus: críticas sobre as relações entre religião e mercado, in: BAPTISTA, P. A. N. e SANCHEZ, W.L. Teologia e Sociedade: Relações, dimensões e valores éticos, São Paulo: Paulinas, 2011.
GUERRIERO, Silas. A diversidade cultural como desafio à teologia, in: BAPTISTA, P. A. N. e SANCHEZ, W.L. Teologia e Sociedade: Relações, dimensões e valores éticos, São Paulo: Paulinas, 2011.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Formação Renovada

FORMAÇÃO RENOVADA
Pe. Mário Fernando Glaab
            Os bispos da América Latina e do Caribe, reunidos em Aparecida, convocaram as paróquias para uma renovação, propondo uma verdadeira conversão pastoral (cf. DAp 370). Para que isso aconteça, ensinam os bispos, a paróquia necessita ser discípula e missionária. Sem dúvida, a preocupação de cada paróquia sempre foi e sempre será o atendimento dos fiéis que aprendem e vivem a sua fé em Jesus Cristo como o Filho de Deus em nosso meio. Em outras palavras, trata-se do trabalho pastoral. Aprender no seguimento de Jesus a levar a sua boa nova a todos, e assim conduzi-los a formar comunidades de vida cristã. Para que isso aconteça concretamente nas paróquias em nos dias atuais, algumas considerações podem ser úteis.

Formação de agentes leigos e formação dos ministros ordenados
            A renovação das paróquias é uma urgência diante das mudanças profundas que afetam o mundo no seu todo. Estamos em mudança de época. Tudo está mudando e a insegurança diante do desconhecido traz angústias e leva a fugas. Paróquias que querem continuar como eram por muito tempo já não respondem mais às perguntas dos novos tempos. O homem moderno passa adiante e já não se deixa interpelar pelo discurso e pelas práticas que eram clássicas até alguns anos passados. Novas estratégias pastorais precisam ser descobertas e organizadas para que respondam aos questionamentos que a sociedade traz consigo, partindo de realidades próximas, como a pobreza, a injustiça, a exclusão, o abandono, a doença e a morte - muitas vezes violenta. As ações práticas que a Igreja, através das paróquias, desenvolvia no passado diante de situações como essas – podemos dizer ações que partiam de sua visão teológica e moral – carecem de renovação. As ações teológicas e pastorais precisam ser repensadas e renovadas.
            As paróquias, em seu processo de renovação, devem investir pesado na formação de seus agentes de pastoral e na formação de seus ministros ordenados. A formação deve ser contínua e com métodos novos. Além dos conhecimentos tradicionais, necessitam de vasta experiência em conhecimentos gerais, especialmente nas áreas da comunicação e das relações humanas. Qualquer líder paroquial deve estar com todas as “antenas ligadas” para o que acontece ao seu redor. Estar “conectado” ao que prende a atenção das pessoas do momento, com especial atenção aos jovens.
            Mesmo sabendo que a finalidade última da formação, tanto dos ministros ordenados quanto dos agentes de pastoral, é a capacitação para o trabalho pastoral e dar sustentação para a ação evangelizadora da Igreja na paróquia, tem-se consciência das diferenças nos objetivos imediatos entre agentes leigos e ministros ordenados. Agentes leigos buscam formação sempre mais apurada, que poderia se denominada “estudo de religião”, visando melhorar a vivência religiosa, atualizar sua fé ao mundo moderno com uma vivência religiosa que se relaciona com mais segurança no vasto mundo científico e ético. Esta busca também os torna mais capazes e ágeis nas atividades pastorais com os diversos segmentos da sociedade. Os ministros ordenados, por sua vez, nunca devem esquecer a dimensão do aprofundamento da fé, mas geralmente sua formação intenta adquirir táticas para melhor “convencer” os paroquianos. É uma maneira de “ganhar a vida”, própria de seu estado ministerial. Abandonar a formação permanente pode significar o fim da “carreira”. Essa, no entanto, não deveria ser a primeira preocupação, contudo, às vezes ela se impõe, principalmente diante da grande concorrência dentro e fora da Igreja. Não faltam concorrentes em paróquias vizinhas e por parte de pastores das mais diversas denominações que ameaçam arrebanhar os fiéis que já não são tão fiéis assim.

Somar e não diminuir
            Ao repensar as atividades pastorais das paróquias sente-se fortemente a necessidade de conversão. Conversão implica mudança, tomar outro rumo. O novo rumo que se apresenta como válido para os agentes leigos e ao mesmo tempo para os ministros ordenados é o do voltar aos valores do Reino de Deus. Agentes leigos e ministros ordenados, cada qual à sua maneira, devem descobrir a possibilidade de se envolver no projeto iniciado por Jesus de Nazaré. Com Jesus o Reino se fez presente e ainda está presente no mundo. Mas, em cada época Jesus necessita de homens e mulheres que mostrem o Reino de Deus concretamente com sua vivência e tornem o mesmo atraente para o aqui e o agora. O Reino testemunhado por eles precisa tocar o homem pós-moderno. Então, formação de ambos deve levar a isso: vivência religiosa culta e bem informada e aprofundamento da fé para que, somado tudo, a ação pastoral da paróquia possa responder aos anseios concretos dos fiéis e, produzir muitos frutos de vida nova.

Sugestões:
            - As paróquias, de tempos em tempos, façam uma avaliação geral de todas as suas atividades pastorais. Perguntem-se com sinceridade sobre as motivações que orientam as mesmas atividades; sobre as estratégias que usam; sobre os agentes, sua atualidade e competência; sobre as conquistas e sobre os obstáculos, sucessos e insucessos.
            - Que a partir dos insucessos e fracassos se proponha a conversão pastoral, isto é, busque-se novos métodos e novas estratégias a partir do investimento formativo, tanto nos agentes de pastoral quanto nos ministros ordenados.
            - Que os sucessos e as ações bem sucedidas animem a todos para progredirem sempre mais. Que nunca se pense: “já atingimos a meta, podemos descansar”, mas que uns valorizem os outros e assim tenham ânimo para se formar permanentemente.
            - Que a formação dos agentes leigos vise sempre, em primeiro lugar, a sua própria vivência religiosa, para que dessa maneira, possam com seu testemunho responder aos novos questionamentos que a sociedade propõe. Que a formação não seja para se ensoberbecer diante dos menos afortunados, mas para o enriquecimento da comunidade paroquial.
            - Que a formação dos ministros ordenados seja permanente e bem direcionada para as reais situações dos fiéis. De nada adianta ser doutor em “teologia medieval” se essa não diz nada para o contexto real em que a paróquia se encontra, muitas vezes maculada pela violência, pela exclusão, corrupção e todos os males de nosso tempo. Que leve os ministros ordenados ao aprofundamento da fé; mas fé enraizada em Jesus Cristo, o Homem de Nazaré, isto é, Aquele que anunciou a presença do Reino de Deus entre as pessoas de seu tempo e de sua época.
            - Que ambos, agentes e ministros ordenados, cada qual na sua condição, coloquem as qualidades e as conquistas em comum para o bem da paróquia como um todo. Que não haja disputas entre eles, mas mútua colaboração. Que os paroquianos possam reconhecer em seus líderes e pastores, não somente pessoas bem formadas, mas verdadeiras testemunhas de que Deus Salvador veio morar entre nós e nos convida a fazer parte do Reino.

terça-feira, 27 de março de 2012

Morrer e Ressuscitar

MORRER E RESSUSCITAR
Pe. Mário Fernando Glaab
            Os cristãos têm como princípio fundamental de sua fé o mistério da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, o Homem de Nazaré. Crer em Jesus de Nazaré consiste em aceitar e assumir esse mistério. Em outras palavras: é professar que Jesus é Deus conosco – divino e humano.
            Ao refletir sobre o mistério central da fé cristã vêm-nos em mente algumas questões vitais, isto é, que iluminam a nossa vida. Conforme os escritos do Novo Testamento, Jesus, mesmo sendo divino, em sua condição humana sofreu todas as consequências de sua opção pelo projeto de Deus, que é a vida do mundo. Para que o mundo tivesse vida, Jesus, em conformidade com a vontade do Pai, colocou-se a serviço dos humanos até as últimas consequências, instaurando assim o Reino de Deus. Por isso o Reino está fundado no serviço de Jesus em prol dos homens e mulheres de todos os tempos e de todos os lugares. Para poder servir Jesus se faz servo de todos. O serviço lhe causa dor, sofrimento e rejeição. Não da parte de Deus, mas da parte dos que não querem que os pobres, doentes, deficientes e pecadores sejam servidos. Sempre existem aqueles que, como não-servos, são os poderosos e necessitam dos serviços dos outros. Ao não servirem e se fazerem servir, causam dor e sofrimento, oprimem e exploram; tolhem a liberdade e não deixam viver: são eles os adversários do Reino de Deus. É óbvio que Jesus, ao se colocar como o Servo do Reino, teve que enfrentar os poderosos do antirreino. Esses o perseguiram, o fizeram sofrer e o mataram. Para Jesus não foi fácil levar a cabo sua obra. A dor e a morte foram consequência cruel de sua doação serviçal. Mas ele foi até o fim.
            A força de Jesus consistia na confiança total no Pai que lhe deu a missão de levar vida a todos os espoliados do mundo e no amor incondicional ao ser humano que o fez abraçar a missão. Jesus, na fé e na confiança, via o Reino presente em sua ação, pois agia conforme a vontade do Pai. A perseguição dos poderosos - cruz e morte – era, no entanto, o entrave para que o Reino acontecesse em plenitude. Jesus não teve outra saída: foi até à morte, imposta a ele, não pelo Pai, mas pelos poderosos malvados de seu tempo que não aceitavam o serviço do Servo em prol dos mais humildes. Para eles, os humildes sempre haveriam de permanecer em sua condição de escravos para que assim pudessem desfrutar dos seus trabalhos. O sofrimento de Jesus foi terrível. Não pode contar com a força de ninguém. Os poderosos o pregaram na cruz e a maioria dos desvalidos fugiu! Somente algumas mulheres, o discípulo amado e dois malfeitores estavam ao seu lado nessa hora. Mas estes nada podiam fazer. Jesus deve se lançar totalmente nos braços do Pai: inclina a cabeça ou entrega o espírito. A vitória – Ressurreição – há de vir de Deus. Ele morre!
            A morte é a terrível sombra no horizonte de todo ser humano. Ela assusta a todos. No entanto, há aqueles que esperam pela morte apoiados em seus recursos, em seus bens e poderes. Os bens e os poderes os enganam com suas ciladas. Pensam que eles os podem salvar; ou ao menos, quem sabe, amenizar o impacto da morte. Mas, será que morrer entre os poderosos, com poder e com riquezas leva alguma vantagem? Na hora de “entregar o espírito” adianta ter ao lado os fortes deste mundo? Adianta ter as riquezas que foram arrancadas dos irmãos pobres e escravos? Deus estará entre os poderosos? Por outro lado, adianta servir sempre e a todos se no fim, com muito sofrimento também os servidores morrem? Que a morte de Jesus de Nazaré sirva como modelo. Ele, entre os desvalidos, os escravos, os malfeitores, na hora de sua morte não teve nenhum privilégio, contudo, pode dizer com toda a força de seu amor ao próximo “hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). A afirmação era fruto do amor que é maior do que a morte, a certeza da presença do Pai, que deu a Jesus moribundo a força para garantir ao malfeitor o Paraíso. O amor não se perde nunca. E o amor sempre se expressa no serviço concreto aos irmãos. O acúmulo de bens, os prazeres desordenados e o poder opressor são contrários ao serviço, e consequentemente ao Reino. Impedem a confiança no Deus que ressuscitou Jesus e que ressuscita os que, como Jesus, se colocam no caminho do serviço aos humanos. Os ricos, os viciados nos prazeres mundanos e os poderosos deste mundo ao chegar o momento derradeiro, dificilmente poderão ouvir do “Desvalido” a tão esperada declaração: “ainda hoje estarás comigo no Paraíso!”.
            A morte de Jesus de Nazaré, o Servo de Deus e dos humanos que se doou até o fim, trouxe-lhe a Ressurreição como aprovação da parte do Pai. A morte dos que se doam, seguindo seu exemplo, também há de trazer ressurreição; mas a morte dos ricos, dos viciados nos prazeres mundanos e dos poderosos deste mundo está entregue aos seus bens, aos seus prazeres e aos seus poderes. O grande teólogo Pe. José Comblin, que passou a vida defendendo os pobres e os desvalidos de nossa sociedade, diz: “os poderosos são sempre suspeitos”, e explica que o poder, quando não é serviço, não ajuda, mas oprime. E a opressão não vem de Deus, mas é do antirreino.

domingo, 11 de março de 2012

Historinha em dialeto alemão - Huhnsrück

EN NOCHBA STREIT
Mário Glaab
Dat Stickje wo ich eich heit vetzeele will is mo passiert in unse scheen um lieb Kolonie wo Prunkepicoot gehees hot. Do is jo imma so Allehand passiert, awa Manjes bleibt in dem Kop un ma denkt vielmols dron. Anneres vergest ma un es verschwind in dea Zeit. Dat woa soo: de Miliefuppeshannes un de Batattenikel – die soo geheest hon weil de eene imma soo gen Miliefuppes gess hot un de annere sich die Batatte net fehle gelos hot – woore Nochbre. Honn sich awa imma net so gut verstan. Wenn de eene de annre braucht, dan honnse sich geholf, awa wennse diskutiert honn, dann hat jede eene sei Idee un die must bleiwe. Dea wo annesta soat, dea wo de Dumme. Soo Diskuttione hattese fast jede Suntach, un noch poo mol unna de Wuch. Am En honnse sich alle zwoi dumm geruf: du bischt doch en dumme Tapes. Das hot ma soo vun denne gewuscht.
Im Somma hot es mo so riesich gereent das die Strosse so mechtich glat un aach nore noch Knatsch wore. Dea Miliefuppeshannes must in die Mihl fohre mit sei Wohn, ea must doch Reis scheele losse des die Kinna was se esse hatte. Hatt die Geil oangeschpant un iss los. Bis an die Mihl woret es gut finf Kilomete un die Krake hon dea Knatsch noch mea uffgerriert mit ihre Pratze. Dat iss alsmol gans krum gan, awa ea is hin kum, in die Mihl. Wie ea schun witte am heim fohre wor do must ea uff son eng Platz dorich fohre un extra gut uffpasse dass die Geil un de Wohn net newe hin ritsche dere. Dat woa so glat un geferlich dat dea karrosea es mit da Angscht se tun hat. Hot awa die Rihme fest in die Hen gehal un hot dea Geil gut Wort gewe. Es solt Alles gut gehn. Awa uff emol, wie bestelt, kumt jo doch vun dea annere Richtun dea Batattenikel mit sei Baio. Jetz, was mache? Die Stross woa doch zu eng un hat kei Plaz dass die zwei vonanebei komme kinte. Ene muss aus dea Wech. Wea sol das tun? Do woa doch jede dickkeppicha wie de Anere. Poo Minute honse do gestan un sich mo so enscht oangeguckt. Bis dan hot uff emol de Miliefuppeshannes mo erklert: “kanscht sien dass du aus de Weg komst weil ich tun doch so en Muhle kei Plaz mache!” Dea Batattenikel is gans rot geb, awe do horre gesoat: “naja, ich mache ihm Platz” – un hot sich mit sei Baio uff Seit gemach. Dat hot dem Miliefuppehannes net so richtich gepast, awa ea must scheen ruich bleiwe; ea hat jo doch so dum oangefan. Jeder is sei Weg gan un die Geschichtja sin zerick geblieb.
            Dat worre imma scheene Zeite. Heitzenstoche is es jo Alles gans anneschta – die Strosse sin viel besse un ach die Koleniste fohre blos noch me mit ihre Auto dorum.
Dicionário:
Nochba: Nachbar, vizinho;
Brunkepicoot: Picada dos purungos;
Miliefuppes: Maisbrot, broa de milho;
Suntach: Sonntag, domingo;
Wuch: Woche, semana;
Tapes: Toll, doido;
Mihl: Mühle, moinho;
Wohn: Wagen, carroça;
Krake: Pferde, cavalos;
Heitzenstoche: hoje em dia.
Pratze: patas (dos cavalos);
Dickeppich: cabeça grossa (dura).

sexta-feira, 2 de março de 2012

És um Deus apaixonando

Tu és um Deus enlouquecido de amor
por nós, teus filhos e filhas, e por isso sofres com os que sofrem.

Nossos sofrimentos são teus sofrimentos! Tua paixão por nós
faz de tua vida um dom total.
És nosso eterno e mais precioso presente!

Estás sempre presente, disponível...
Em teu colo e ombro podemos chorar e dormir sempre.
Teus ouvidos estão sempre atentos - às vezes os únicos! - aos nossos clamores e lamentos. Em tua boca e em teu grito podemos gritar, mesmo quando já não temos palavras nem som:

"Porque me abandonaste?"
Em teus olhos, nossos olhos encontram lágrimas, as que jorram de teu coração traspassado.
Em teus pés, nossos pés cansados, enfraquecidos, feridos... andam.
Em tuas mãos generosas, nossas mãos abrem-se, estendem-se a outras.

Em tua cruz, és companheiro-irmão próximo dos crucificados da história.
Nossos irmãos e irmãs crucificados não estão sós nos gólgotas da vida.
Estais com eles?
És, de fato, um Deus enlouquecido de amor por nós.

Mesmo (sobretudo!) na cruz, estás apaixonadamente presente.
Por paixão, vives na e da paixão com e pelos apaixonados da história.
Em tua com-paixão VIVES SEMPRE "a cruz e o presépio foram feitos da mesma árvore"!

És Deus conosco!
Tua Páscoa é Páscoa dos crucificados!
É, também, ela, nossa páscoa!


Francisco de Aquino Júnior

Os melhores lugares

SENTAR-SE À DIREITA E À ESQUERDA
Pe. Mário Fernando Glaab
                        É incrível que ainda hoje, depois de dois mil anos de história cristã, a ambição pelos lugares à direita e à esquerda do Senhor é normal. Quase cada dia se ouve e se vê casos nos quais se busca a própria realização egoísta em detrimento das demais pessoas. Os casos não são exclusividade em sociedades laicas, muito pelo contrário, são frequentes em ambientes eclesiásticos. Nem é bom lembrar, mas esconder a verdade pode ser covardia. Comunidades sofrem e perecem por estar contaminadas pela ambição.
                        Quando os filhos de Zebedeu pediram a Jesus a permissão para sentarem um à direita e outro à esquerda, receberam como resposta de Jesus a explicação de que esse direito é para aqueles aos quais foi preparado (cf. Mc 10,35-40). Por ironia, sabe-se que os lugares à direita e à esquerda foram ocupados, quando Jesus revelou a sua glória, não pelos filhos de Zebedeu, mas por bandidos crucificados ao lado dele (cf. Mc 15,27). Isso merece reflexão: então para quem foram preparados esses lugares? Quem merece estar à direita e à esquerda de Jesus em sua glória? Certamente os bandidos não mereceram mais que os filhos de Zebedeu, todavia foi o amor de Jesus que se colocou junto a eles, no lugar do suplício. Ele se pôs entre os que nada têm e nada esperam. A ambição dos filhos de Zebedeu fechou a porta diante de graça de Deus que vem para estar com os que mais precisam, pois “Deus resiste aos soberbos, mas concede a graça aos humildes” (Tg 4,6). O amor de Deus revelado em Jesus de Nazaré não se deixa vencer, e foram justamente os crucificados da história que mais necessitavam desse amor. Por isso eles puderam estar ao seu lado, sofrendo com ele, não por opção deles, mas por amor gratuito de Jesus. Os filhos de Zebedeu não sabiam o que estavam pedindo. A ambição os cegara.
                        Frequentemente se ouve dizer que Deus se afastou de nosso mundo por ser ele tão mal. No entanto, quase todos os que rezam, pedem para que Deus lhes dê sucesso em todos os empreendimentos, especialmente que tenham saúde e muitos bens. Poucos pedem humildade e mansidão. Não faltam os que suplicam honra e poder. Também os líderes religiosos oram assim. Sonham com os melhores lugares, postos onde suas atividades possam dar frutos e aparecer. Querem reconhecimento. Contudo, sem demora dão-se conta de que esforços, trabalhos e maquinações estão sendo em vão. Enquanto alguém pode tirar proveito deles, servem, mas rapidamente são esquecidos quando já não satisfazem. Percebem que lutam sozinhos. Jesus não está com eles. Até parece que sua graça é ineficiente. Onde ela está? Por outro lado, não faltam os crucificados na sociedade e nas comunidades cristãs. Na luta pela sobrevivência nem se dão conta de pedir para que o amor de Deus esteja com eles. Deus, em Jesus de Nazaré, o Crucificado e Ressuscitado, porém, está com eles, mesmo sem pedi-lo. Enquanto os ambiciosos impedem que o Reino de Deus cresça por confiarem nas próprias forças e capacidades, nas honras e no poder econômico; os humildes pecadores – crucificados por todos – não têm em quem confiar, a não ser sofrer com os demais rejeitados, e por que não dizer, com o Crucificado de todos os tempos e de todos os lugares.
                        Sentar-se à direita e à esquerda é para aqueles aos quais foi preparado. Foi preparado para os que não ambicionam por nada, somente querem viver, mas que nem com a vida podem contar. Ao morrer por não haver lugar para eles entre os vivos, encontram-se com aquele que é o Senhor da Vida e que foi igualmente rejeitado pelos vivos. Assim eles podem ocupar o lugar que para eles foi preparado.
                        O mundo precisa redescobrir onde Deus está. No mundo, porém, os cristãos têm a sublime missão de apontar para o Deus-homem, Jesus de Nazaré, que foi colocado na cruz, junto aos excluídos do mundo. Quando as comunidades cristãs, especialmente os líderes religiosos, redescobrirem essa verdade, ambição e prepotência darão lugar para o serviço humilde e comprometedor. O Reino de Deus inaugurado por Jesus tornar-se-á realidade, crescerá e dará muitos frutos. Onde há amor, Deus aí está (cf. 1 Jo 4,16). Deus não pode estar com os ambiciosos, pois estes lhe fecham as portas.