domingo, 6 de maio de 2012

Para o Dia das Mães

MINHA MÃE E DEUS PAI-MÃE
Pe. Mário Fernando Glaab
                Deus, que és Pai e Mãe, eu também tive uma mãe que me amou. Agora ela já repousa contigo. Já não está entre nós nesse vale de lágrimas, coitadinha! Mas, Deus, permite-me recordá-la, reviver sua ternura e seu carinho. Ela me ensinou que tu és Pai-Mãe, ela me amou com o amor que vem de ti. Quando penso nela necessariamente penso em ti. Sei que o teu amor passou por ela para mim, e, mesmo após tantos anos desde que ela foi para perto de ti, sinto o teu amor quando dela me recordo.
            Minha mãe já não fala de ti com palavras doces, já não prepara a comida, já não lava roupa, já não limpa a casa, já não reza de joelhos, caminhando ou mesmo sentada, já não canta como tanto gostava, já não faz isso e aquilo de que tanto gostava. Ela já repousa no descanso eterno. Mas as lembranças que estão vivas em minha memória, em minha vida e em meu coração não deixam dúvida, ainda vens por meio dela à minha presença. Eu, já por muitos anos, sem mãe, sem pai, vivo como se ela estivesse sempre comigo. É porque ela foi para teu lar, e este lar me covida todos os dias. Sei que tu a colocaste em minha vida, deste-me a vida por ela, e continuas a alimentar minha vida pelo que foi a vida dela. Pela vida dela entraste em minha vida, e pela lembrança de sua vida, tão pobre, tão santa e tão simples, continuas a sustentar e direcionar minha vida, até que tornaremos a nos encontrar. Aí então minha mãe vai poder levar-me a ti, e dizer, com seu jeito próprio de mãe, que tu és nosso Deus – um Deus que é Pai-Mãe. Assim o quiseste, assim o será.
Um filho, em homenagem à sua mãe e em gratidão ao amor de Deus Pai-Mãe, amor que experimentou e continua experimentando em cada dia de seu passar pela vida. Amém.

sábado, 5 de maio de 2012

As coisas e sua sacramentalidade

COISAS E COISAS
Pe. Mário Fernando Glaab

            As coisas são sempre coisas, porém as coisas são bem mais que coisas. Parece uma afirmação sem lógica, mas pensemos um pouco mais, e veremos que além do que as coisas são de imediato, elas contêm realidades que as transcendem, e que vão bem mais longe.
            O ser humano é corpo e alma, não tem corpo e alma. O corpo e a alma estão unidos a tal ponto de não poderem se separar sem atingir a própria constituição do ser humano. O ser humano não existe só como corpo ou só como alma. Isso leva ao mistério, no sentido de que sempre andam juntas as duas dimensões. A alma se corporaliza e o corpo se anima. Não é possível separar manifestações somente corporais de manifestações somente espirituais no ser humano. Quando o ser humano está bem, corpo e a alma rejubilam; quando está mal, corpo e alma que padecem.
            Existe paralelo dessa unidade na união perfeita entre a humanidade e a divindade na mesma pessoa de Jesus Cristo, melhor, na pessoa de Jesus de Nazaré. Ele, como ensina genialmente Leonardo Boff, é tão humano que somente pode ser divino; como é tão divino que somente pode ser humano, com toda perfeição. Todas as palavras e todas as ações de Jesus de Nazaré são sempre palavras humanas e divinas, ações humanas e divinas. São, portanto, coisas e coisas. Coisas humanas e coisas divinas. Suas palavras e suas ações transcendem o humano, apesar de não deixarem de ser humanas; mas igualmente transparecem o divino, e, não deixando de ser divinas.

Encontro dos humanos com o Divino
            O evangelista João, logo no início de seu evangelho, afirma que a Palavra se fez carne e veio morar entre nós (cf. Jo 1,14), mostrando desse modo, que a partir de então o mistério está ao dispor do humano. A realidade humana não é somente humana, mas é também realidade divina. Agora quando homem/mulher se relaciona com o humano não se relaciona somente com o humano, mas se relaciona necessariamente também com o divino. Da mesma forma, o homem/mulher que se relaciona com o divino, relaciona-se com o humano. Houve um “casamento” indissolúvel entre o divino e o humano.
            Este é, então, o sinal: Jesus morto e ressuscitado. Nele o ser humano morre, e nele ressuscita. Sempre como ser humano total: corpo e alma. Isso nos leva a entender que morrer e ressuscitar em Jesus não são outra coisa que morrer e ressuscitar no cotidiano da vida, nos afazeres nossos e de nossos irmãos. Participar da vida de todos os seres humanos: suas alegrias e sucessos, tristezas e insucessos, é morrer e ressuscitar; é unir o humano ao divino; é deixar que o divino se una ao nosso humano.
            Quando, nas ações diárias, se rompe a união da dimensão humana com a divina rompe-se o “matrimônio indissolúvel” de Deus com a humanidade, isto é, nega-se a boa notícia de que a Palavra se fez carne e veio morar conosco – não se crê em Jesus de Nazaré. Isso acarreta dicotomia no próprio ser humano. Subtrai-se lhe a dimensão que o transcende. O ser humano, nesse caso, é humano pela metade! Perde-se totalmente nas coisas, tornando-se uma coisa entre coisas.

Por detrás das coisas
            Como humanos não podemos escapar das coisas. Fazemos parte das coisas, fazemos coisas e nos relacionamos com as coisas. Elas, todavia, como vimos, são bem mais que coisas. Todas elas têm algo que as transcende. É por essa transcendência que as vemos, as respeitamos e as usamos. Tratar alguém ou algo somente como coisa sem transcendência é negar o seu verdadeiro valor. É negar o seu mistério.
            As coisas são nossas e são para nós; são dos outros e são para os outros; são do mundo e são para o mundo (mundo em sentido positivo, como criatura de Deus). E como tal, transcendem seus significados imediatos; podemos dizer, tornam-se sagradas. O que fazemos conosco e o que fazemos com as coisas que são nossas, dos outros ou do mundo, fazemos para o bem ou para o mal nosso, dos outros ou do mundo. Não existe neutralidade. O sagrado envolve, melhor, penetra tanto as coisas que nunca mais podem ser manipuladas sem manipular o sagrado. Mexer nas coisas, consequentemente, leva a mexer com tudo: comigo, com os outros e com o mundo. Quando são respeitadas na sua dimensão sagrada e usadas para o bem elas enriquecem a todos e a tudo; mas quando não são respeitadas e usadas egoisticamente elas empobrecem a todos, criam desarmonia e fazem sofrer, especialmente aos mais fracos e vulneráveis. Isso porque o sentido profundo das coisas lhes é negado em vista do proveito egoísta de alguém ou de algum grupo que se apossa do direito que é de todos.

Destruir as coisas é matar a quem as tem
            Destruir ou matar as coisas é matar a quem as tem.
            Quando mataram Jesus, pregando-o na cruz, mataram Deus! Se as coisas são criaturas de Deus, manifestações de seu infinito amor, ao destruí-las, destrói-se Deus. Elas estão aí para nós. Deus as confiou ao nosso cuidado. Portanto, podemos delas usar, conquanto cuidarmos para que sejam de proveito a todos. Ele nos deu a capacidade para cuidar delas com a nossa inteligência e nosso trabalho. Precisam ser cultivadas para que todos, também as gerações futuras, tenham acesso a elas. O respeito que damos às coisas e aos seus possuidores, em última instância, é dado ao próprio Criador, assim como o desprezo das coisas é desprezo do Criador.
            Quem não cuida do que recebeu de Deus despreza Deus mesmo. Quem não sabe cuidar da saúde, deixa-se se enredar pelos vícios, quem não cuida da sua casa, de seus objetos, está matando a si mesmo e, está dizendo não ao amor de Deus – matando Deus!
            Quem não respeita e não cuida daquilo que é do outro, seja de sua vida como de suas coisas, não respeita e não cuida nem dele, e nem de Deus! Isso é muito grave. Sabe-se que as coisas que as pessoas possuem, tem para elas muito mais importância que o valor em si das mesmas coisas. Pensemos nas flores que uma mulher cultiva em seu jardim: são plantas como outras plantas, mas dizem muito mais que qualquer outra planta. Foram colocadas aí com muito amor, com muitas recordações e muitos sonhos. A mulher, com essas flores, quer alegrar os seus, quer cultivar a beleza da vida, quer ajudar a tornar o mundo mais bonito. Aquelas plantas, quem sabe, podem lembrar a amizade ou o carinho de antepassados, de sua mãe falecida, seus irmãos ou amigos que lhe deram as sementes ou as mudas. Cada vez que ela cultiva essas flores, as contempla, seus pensamentos e seu coração vão longe... Entoa um hino ao Deus-amor que colocou pessoas queridas em sua vida. Pessoas que ainda estão entre os vivos e, pessoas que já estão do outro lado da existência. Essas plantas, por mais humildes que possam ser, contêm em si realidades que vão muito além de coisas: fazem parte da vida daquela mulher e essa parte da vida a liga com as outras pessoas e com seu Deus.
            Para ilustrar com um fato segue uma história muito triste, algo que choca qualquer ser que se tem como humano. Eis:
            Havia uma mulher que trabalhava como governanta em uma casa canônica. Em frente da porta principal da casa só havia terra dura e pedregosa, com um pouco de capim não cuidado. O espaço não era grande, mas ajeitá-lo seria tarefa árdua. Contanto, como a teimosia da pessoa era grande, ela se dispôs ao desafio de transformar aquele espaço em um lugar que mostrasse beleza e encanto. Fez canteiros, afofou a terra, colocou adubo e semeou várias plantinhas que deveriam produzir flores variadas. Até uma árvore frutífera, uma laranjeira, encontrou o seu lugarzinho em frente da casa. Nos primeiros meses parecia que tudo era tempo perdido: as mudas não se desenvolviam. Porém, após um ano já se podia perceber a mudança. Mesmo sendo pequenas, algumas flores enfeitavam a chegada à casa paroquial. Quem por ali passava era atraído pelas cores e pelo verde das folhas. Até armações improvisadas sustentavam plantas que sobem do chão em forma de cipó.
            As plantas não eram somente plantas. Elas tinham história e significado que ia além delas. Elas transcendiam aquela realidade. Eram plantas que continham vida, pois foram plantadas aí, por alguém que as trouxe de outros lugares onde já faziam história de vida: eram do jardim da sua falecida mãe, de amigos de diversos lugares e de muitas histórias vividas. Tinham como finalidade perpetuar a vida e a história das pessoas queridas. Fazer que a mesma alegria dos antepassados e dos amigos se fizesse alegria também para os que viessem àquele lugar. Mais ainda, o contentamento aumentava quando o jardim se tornava generoso e de suas flores algumas podiam ser colhidas para enfeitar o altar da igreja, as imagens dos santos. Tinha carinho especial para Maria, a Mãe de Jesus, que sempre recebia as flores mais lindas. Nossa Senhora despertava sentimentos filiais na jardineira que assumia também a tarefa de deixar o ambiente sagrado mais aconchegante. Os sentimentos filiais traziam à mente os momentos bonitos vividos em família quando os irmãos estavam reunidos e a mãe era o centro da família, enchendo o ambiente de amor e carinho. Parecia que Maria acolhia as flores com tanto carinho que lhes dava um brilho celeste. A saudade da mãe que já se fora se transformava em esperança alegre e jubilosa. Todos os dias as plantas eram visitadas, apreciadas e cuidadas, e, sempre que flores bonitas surgiam, eram levadas para o interior da casa e para a igreja.
            Certo dia, porém, a inveja destruiu tudo!
            Não se pode falar mais detalhadamente para não ofender quem cometeu esse disparate. Contudo, conseguiram mandar embora o pároco que havia contratado a governanta, e a partir daí, tudo o que ela construíra com tanto carinho foi arrancado. Esperou-se a oportunidade exata. Pasmem! Só porque a queriam fora do ambiente (por ter sido funcionária do anterior que já fora eliminado), e queriam forçá-la a solicitar a sua saída (sabiam que faltava pouco para ela se aposentar, isso, porém, não contava nada!), ao estar enferma e hospitalizada, cortaram malvadamente pela raiz todas as plantinhas, jogaram-nas fora para não deixar, nem sequer, alguma muda que pudesse ser reaproveitada. Tudo isso na calada da ausência da mulher! Dá para imaginar o que essa pessoa sentiu quando voltou para casa e viu o seu jardim destruído, tudo arrancado pela raiz e ainda jogado fora?! Só corações de pedra não se compadecem.
Mexer, pior, desprezar os sentimentos dos outros é negar-lhes o direito de viver. Infelizmente coisas assim existem, e não somente entre os ímpios, mas também entre os “santos”. Como era de se esperar, essa agressão fez muito mal para a vítima, afetou gravemente os estados espiritual, psicológico e somático. Ela sentiu-se destruída, e com razão.

Coisas e coisas
            Não há dúvida, as coisas são coisas, mas para o sábio elas são muito mais do que simples coisas. Elas contêm o Infinito em sua finitude e simplicidade. Esse Infinito é experienciado e vivido por quem sabe transcender o imediato de qualquer coisa. L. Boff diz: “As coisas não são apenas coisas. Elas representam valores que fascinam. As coisas são símbolos de outra Realidade. Por isso falam e anunciam esta Realidade suprema”. Poderíamos ainda acrescentar, essa fala e esse anúncio é perceptível somente para quem está com os ouvidos e com o coração abertos.
            E, para pessoas que experimentam agressões e perseguições, como a da história, pode valer outra frase de L. Boff: “Haverá sempre aqueles que pensarão: cada sofrimento humano, em qualquer parte do mundo, cada lágrima chorada em qualquer rosto, cada ferida aberta em qualquer corpo é como se fosse uma ferida no meu próprio corpo, uma lágrima dos meus próprios olhos e um sofrimento do meu próprio coração”. Sempre existem homens e mulheres que sabem se compadecer e estender a mão àqueles que são vítimas do desprezo dos poderosos. Gestos humildes, mas cheios de amor, e que por isso restituem vida. Vida que é negada quando as coisas alheias são desprezadas. O bem certamente há de vencer, uma vez que Jesus venceu a morte de cruz com a confiança total no Pai, e este o ressuscitou: Jesus está vivo para sempre.
(Obs.: as citações de L. Boff estão em seu livro A Águia e a Galinha, Ed. Vozes).