sábado, 18 de agosto de 2012

Historinha em Hunsrick

DEA MUHLE WO NET ME GEFRESS HOT
Dat Geschichtje wo ich eich heit votzehle will das is jo passiert um die Zeite wo die Leit noch net so gescheit wore wie heit. Oje, Heitzenstoache do wisse die junge Leit schun alles; ach das wose net wisse solte. Un die measchte hon ach kei Respeckt me hinna de Ohre ode iwan Nawel: die hucke jo doch blos me an de Internet, voam Televisson oder sin am oanstelle uf de Stross. Wense mo solle faninftich spreche mit eltere Leit, dan komt doch blos Dummes raus. Awwe was ich votzehle will das is mit son enfache Mensch passiert wo net so gescheid woa, awe gut war, weil ea hat keine schlenchte Gedandke im Kopp.
Wie frie die Zeite net so gut ware, do must jo doch jede ene siin wira mit seine Orwet iwa die Probleme kome solt. Do hot uff dea Kolonie son orme Mann gewohnt wo en alte Muhle hat. Dea Muhle woa gut weil er doch viel Gewicht uf dem Ricke gedrohn hot: Kargere, Futta, un ach gedient hot zum reidde. Dea Muhle hat awe doch oach imme so viel gefress, un die Milie hon net iwa gestan. Uf emol is dem Mann mo Was ingefall: alles is doch Gewohnheit. Wen ene en schlecht Oangewohnheit hot dan mus man es ihn abgewehne. Das viele Futta wo dea Muhle fresst, das wet ach en Oangewohnheit sin. Dat mus abgewehnt were! Awe wie?
Dea Mann hot mo driwe nochgedenkt. Un uf emol es ea uf en Rot kum: Fa was abgewehne mus ma es imme weniche mache, solang bis es verschwind. Gut. Von jetz oan fot kriet de Muhle imme weniche Futta, bis ea es gans abgewehnt is. Ohme Muhle! Jede Toach sin ihm die Milie un das Kross wenicha woa. Dea Muhle must zufriede sin mit dem was er kriet hot. Zwei Woche speta hot de Muhle so traurich do gestan, un hot ausgesien wie wen ea krank wea. Dea Mann hot gedenkt: das deat doch jetz ach noch fehle das mei Muhlje noch krank weat! Im nechte Toach hot dea Muhle iwerhaupt nicks mea gefress. Doa woa awwe dea Mann froh: jetz, horra gesaad, isses so weit. Das fresse hon ich dem Muhle abgewehnt. Blos watte bis ea wite gut is vun sei Krankheit. Awe traurich: noch en Toach druff, un de Muhle woa kaput! Dea Mann hot sich doch verwunnert un gekrisch: jetz woa ich dea Muhle mo so weit hat dass ea net me gefress hot issa mea ach noch kaput gang!
So woas halt mo wie die Leit noch enfache wore un wie se noch net so schlim ufs Geld wore wie Heitzenstoche. Wense ach alsmol was oangestelt hon das woa net so schlim.
Mário F. Glaab
www.marioglaab.blogspot.com

Clero e Presbitério

O CLERO NO PRESBITÉRIO

            Ao se imaginar como deve ser a vida do clero num presbitério – em dioceses pequenas, como é a maioria -, talvez se pense em harmonia e mútua colaboração entre todos. Nem sempre é assim. Ou ao menos, nem tanto assim. Como em todas as situações onde pessoas convivem também nos presbitérios existem dificuldades. No entanto, pela experiência de longos anos, pude constatar o seguinte: quando um presbitério não consegue crescer em harmonia, paz e mútua colaboração, o problema não está tanto nos presbíteros imperfeitos e pecadores; mas nos bons. Eles é que impedem o crescimento e o aperfeiçoamento do todo. Isto porque, por serem bons, excluem os demais impedindo de realizar o que em suas limitações bem poderiam fazer. Isso não quer dizer que os maus excluídos sejam substituídos pelos bons nos trabalhos e tarefas que eram próprios deles, mesmo que estes últimos assumam seus encargos. Injustamente não deixam que os imperfeitos façam o pouco que gostariam e poderiam fazer, enquanto eles também não o fazem. Assim todo o corpo é prejudicado, e o testemunho de fraternidade vira escândalo diante dos olhos das comunidades cristãs.
Pe. Mário F. Glaab

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Jubileu de ouro do Vaticano II

CINQUENTA ANOS DA ABERTURA DO VATICANO II
Recuperar a “Igreja no mundo”
Pe. Mário Fernando Glaab
            Estamos cada vez mais próximos dos cinquenta anos da abertura do Concílio Vaticano II que aconteceu no dia 11 de outubro de 1962. Muito já se tratou do assunto, e muito ainda será tratado; dentro e fora da Igreja Católica. Isso não quer dizer que todos já tomaram consciência da importância do jubileu que se está para comemorar. Existem também comunidades, grupos, paróquias e até dioceses que não acordaram para o fato. Certamente passarão seu “sono dos inocentes” com poucas perturbações, uma vez que estão bem acomodados em seus quartos com todas as “janelas fechadas”. Espera-se, no entanto, que cada vez mais as pessoas sejam acordadas e que ao longo dos anos jubilares do Vaticano II se deixem tocar pela reflexão e, mais ainda, “abram todas as janelas” para que o Espírito Santo possa entrar, conforme a explicação de João XXIII, e, consequentemente recuperar para a Igreja a consciência de que há de ser a “Igreja no mundo”, para compartilhar com este “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem” (GS 1).

O vento incomodou
            Não é preciso ser muito esperto para entender que em lugares fechados, quando de chofre se abrem as janelas, e o ar fresco começa a penetrar, aqueles que estavam aí acomodados por muito tempo se sentem perturbados. Correm o risco de se resfriarem e até mesmo de pegarem doenças graves. Mas, por outro lado, o vento que tanto incomoda os que aí fixaram seu lugar de “repouso” cria condições para que outros entrem na sala e levem vida nova. Os mofos são eliminados e plantas verdes, belas folhagens, podem rejuvenescer o ambiente. Gente nova, plantas novas, luzes intensas, no início chegam a perturbar, quem sabe, até a provocar confusão e alergia nos não abertos. A vida, no entanto, se desenvolve nesse vai e vem de ar novo e fresco. Não é necessário dizer que estamos usando a figura da sala fechada – agora aberta -; trabalho realizado pelo Concílio, conforme o Papa João XXIII o queria. O vento impetuoso que penetrou no interior da sala, incomodando os acomodados, dando vida aos que o acolheram, é, sem dúvida, o Espírito Santo que soprou forte durante e após o Concílio sobre a Igreja e o mundo.
            Esse Vento incomodou muitos. Alguns não o suportaram. Mas, renovando radicalmente a Igreja pelo mundo afora, o Espírito provocou um enorme entusiasmo religioso, não somente entre os católicos, mas também nos cristãos não-católicos e em numerosas pessoas de boa vontade. O ecumenismo foi a “marca registrada” do Concílio vaticano II.
            Na América Latina o sopro do vento impetuoso teve grande aceitação. Foi talvez o Continente onde mais se percebesse a acolhida do espírito conciliar junto às massas, ou como preferem, junto às bases. Todo o contexto político-econômico-social-religioso o favoreceu. Mas, foi assaz importante a condução firme e esclarecedora de bispos, pastores, teólogos, padres, religiosos e imensa multidão de leigos comprometidos com a causa do Reino de Deus em meio a um povo empobrecido. O espírito do Vaticano II encontrou terra acolhedora. Se não estava totalmente preparada, aos poucos foi-se fertilizando com muito trabalho e luta das comunidades. As comunidades de base, a teologia da libertação, o movimento de leitura popular da Bíblia, a inserção da Igreja em questões sociais e de direitos humanos, foram alguns frutos dessa “nova Igreja”, que assim pode contar com a valiosa compreensão e colaboração de Igrejas da Reforma que aderiram ao espírito ecumênico.
            Como não podia deixar de ser, esse “Pentecostes da Igreja na América Latina”, não ficou sem duras oposições e críticas negativas aos milhares. Os conservadores e acomodados não deixaram por menos. Eles estavam tanto dentro como fora da Igreja Católica. Perseguiram e condenaram, não somente a visão da Igreja no mundo, mas também as pessoas que a representavam. Cunhou-se, nesse período, um novo conceito de mártir. O mártir continua sendo alguém que dá sua vida pela fé, mas pela fé que se traduz em compromisso por um mundo melhor para todos, especialmente para os injustamente empobrecidos. Nesse novo cenário muitas vezes os mártires são vítimas da ganância dos próprios cristãos. Isso é lamentável!

Esmorecimento
            O entusiasmo dos anos 70 e 80 diminuiu. Conta-se que no auge da renovação da Igreja Católica um pastor protestante fez a seguinte reflexão para a sua Igreja: não seria a tal renovação da Igreja Católica uma chamada de atenção para nós, no sentido de nos alertar de que os valores que tanto prezamos, como a Bíblia, o vernáculo, a liturgia, a constituição de comunidades, a afirmação do sacerdócio comum dos crentes etc., necessitam de renovação também entre nós, ou nossa juntamente com os Católicos. A Igreja Católica, agora se renovando, estava mostrando que o rosto da Igreja Protestante estava cheio de rugas e havia envelhecido (Cf. P. Walter Altmann, palestra no Congresso da Soter/12).
            Hoje, infelizmente, temos que admitir que também o rosto da Igreja Católica na América Latina está enrugado e envelheceu rapidamente. Cinquenta anos parece ser pouco; e forçosamente nos perguntamos: não seria envelhecimento precoce porque fechamos as janelas novamente? Será que já envelhecemos e estamos com medo do vento que não nos deixa “descansar”? Com o passar dos anos, em nossas Igrejas, muitas janelas foram fechadas. Muitos líderes foram calados, perseguidos, condenados e mortos; outros, por falta de apoio, cansaram e desanimaram. As Igrejas, para quem quiser ver, por ironia do destino, se cobrem cada vez mais com “panos”! Investem na visibilidade, no belo, no show, escondendo seu verdadeiro rosto já feio. Numerosas celebrações na mídia ou em templos enormes mostram o “frio” de que sofrem, pois os investimentos em “panos” são demais. Basta ver sacerdotes jovens que esnobam paramentos riquíssimos, imitando os paramentos imponentes de um ídolo que faz shows na televisão.

Reabrir as janelas
            Consequência direta ou indireta, mas está confirmado que a Igreja e as Igrejas cristãs estão enfrentando uma enorme crise de credibilidade no mundo pós-moderno. A fragmentação, própria da cultura do mundo pós-moderno, desconfia de tudo. Não deixaria fora de sua desconfiança uma Igreja que se fecha sobre si mesma, ainda mais ao se cobrir com sinais do passado que já não falam mais nada para os homens de hoje. O homem pós-moderno quer desvendar o mistério que encobre as Igrejas, mas elas estão com medo do frio que sofrerão ao se desnudarem.
            Não tem outra saída. A comemoração do jubileu de ouro do Concílio Vaticano II deve ser uma oportunidade única para que a Igreja escute novamente a voz profética do Papa João XXIII conclamando a todos para abrirem as janelas ao Espírito Santo. O ar fresco do Espírito há de convocar todas as pessoas de boa vontade para se atualizares no caminho ecumênico. Se os cristão não ouvirem a voz do Espírito que os convoca para juntos darem o motivo de suas convicções, não poderão responder satisfatoriamente ao homem pós-moderno. Trata-se da “terapia ecumênica”, como a chamam alguns teólogos. Nem a fragmentação religiosa, nem o fundamentalismo fanático, como também o entrincheiramento confessional de cada Igreja são caminhos viáveis; há apenas o caminho ecumênico. E quem o ensina a seguir é o Espírito que, generoso como é, bem poderá mostrá-lo novamente, caso abrirmos as janelas para que possa entrar e soprar fortemente.

Conclusão
            O Concílio Vaticano II, apesar da resistência de grande parte dos altos dignitários da Cúria Romana, abriu as portas e janelas da Igreja para o Espírito entrar nela renová-la, para então ser uma Igreja no mundo. O espírito ecumênico que despertou entusiasmo enorme foi seu grande fruto. Ecumenicamente a Igreja de Cristo se colocou no mundo para com ele abrir-se ao Reino de Deus. Ao valorizar tudo o que é bom e denunciar tudo o que é mau, a Igreja se colocou ao serviço do homem em qualquer situação, mas de modo especial daquele que é o mais necessitado: o pobre, o injustiçado e oprimido. Foi lá que o Espírito a levou com todos os irmãos de boa vontade.
            Com o passar dos anos, diante dos obstáculos e sempre novos desafios, o entusiasmo renovador se encolheu bastante, mas não desapareceu. Novas situações e novas compreensões. Alguns tentam se “esconder”, ou esconder o rosto envelhecido da Igreja com roupagens novas e imponentes que não convencem o homem pós-moderno. Outros se lançam corajosamente ao testemunho a partir de uma vida comprometida com os novos pobres de nossos dias. São os que atualizam o Concílio para os dias atuais.
            Precisamos nos convencer de que também hoje é necessário abrir portas e janelas para o Espírito e para o mundo, sem medo do frio que vai entrar e nos atingir; ter certeza de que também o mundo pós-moderno está sedento de respostas consistentes, que somente o Espírito, por meio de mulheres e homens unidos ecumenicamente, pode dar. Se os valores do Reino, que tinham tanta visibilidade nos anos 70 e 80 e que a Igreja do pós-concílio conseguiu testemunhar com muita coerência, parecem sumidos da vida dos seres humanos de nossos dias, não significa que de fato não existem mais. Eles estão por aí; mas precisam de novas descobertas. O jubileu de ouro do Concílio Vaticano II tem a importante tarefa de “recuperar a Igreja no mundo” de hoje.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Schönes Gedicht - Bela Poesia

TROST IM GEBET
Wenn deine Seele voll von Leid
Dein Herz zu Tod betrübt,
Verzage nicht, es kommt die Zeit
Wo besseres Leben blüht.
                                   Doch suche Trost nicht im Gewühl
                                   Kehr’ ein ins eig’ne Herz,
                                   Kein Mensch versteht ja dein Gefühl
                                   Kein Mensch kennt deinen Schmerz.
Und schreist du in die Welt hinaus
Weinst dir die Augen blind,
Sie tragen’s nur von Haus zu Haus
Weisst ja, wie Menschen sind.
                                   Geh’ ruhig in dieses Kirchlein herein
                                   Wo stille Andacht dich umgibt.
                                   Dem liebe Gott vertrau’ allein
                                   Was deine Seele trübt.
Er wird dir Mut und Trost verleib’n
Zu trage deinen Schmerz,
Der liebe Gott allein versteht
Ein armes Menschenherz.
Andenke aus Waldürn

CONSOLO NA ORAÇÃO
Ao tua alma cheia de dor
Escurecer mortalmente teu coração,
Não desanima, virá o tempo
Em que florescerá vida melhor.
                                   Porém não procura consolo no tumulto,
                                   Retorna ao teu próprio coração,
                                   Pois homem algum entende teu sentimento
                                   Homem algum conhece teu coração.
E gritas pelo mundo afora
Choras a cegar teus olhos,
Eles só levam de casa em casa
Pois sabes como os homens são.
                                   Entra calmo nessa igrejinha
                                   Onde tranquila devoção te envolve,
                                   Confia ao bom Deus somente
                                   Aquilo que turva tua alma.
Ele te proporcionará ânimo e consolo
Para tua dor carregar,
Somente o bom Deus entende
Um pobre coração humano.
Tradução: lembrança de Waldürn.

            A bela e profunda poesia Trost im Gebet (Consolo na Oração) é um instrumento valioso para iniciar profícuas meditações. Ela foi trazida por meu pai, há longos anos, como uma lembrancinha do santuário eucarístico de Waldürn, na Alemanha. Ele a adorava e a declamava prazerosamente para seus filhos, explicando o sentido dos versinhos. A tradução, infelizmente, não consegue interpretar o sentido puro da poesia, mas não impede que seja vista e usada como oração. Numerosos foram os momentos nos quais me vali dela para exprimir meus sentimentos diante de Deus. Pois a vida traz surpresas que de fato são surpresas: tanto agradáveis quanto desagradáveis. Todo ser humano passa por momentos de grande júbilo quando a alegria parece arrebentar seu peito, mas subitamente surgem, não apenas momentos, mas horas, dias, meses e até anos nos quais a tristeza toma o seu coração e o comprime violentamente. Aí o pobre homem necessita de palavras que em forma de poesia-oração lhe permitam pô-la para fora, ou melhor, pô-la diante de Deus, pois do contrário seria impossível. Se para mim ela foi – continua sendo – tão útil, que até já sinto prazer em recitá-la, pode, talvez, ser igualmente boa para você! Ler com calma, apreciar cada frase, confrontar com os anseios mais profundos da alma, pode trazer luz e sabor para sua oração. Adapte-a aos seus sentimentos, às suas experiências, e verá que “somente o bom Deus entende um pobre coração humano”. Que assim seja.
Pe. Mário Fernando Glaab

A Teologia é atual

ATUALIDADE DA REFLEXÃO E DA PRÁTICA TEOLÓGICA
Pe. Mário Fernando Glaab
            Na era da informática, ou da facilidade proporcionada pela internet, dispensadora do esforço intelectual, a impressão que se tem, é que cada vez mais, a reflexão cede lugar para as soluções imediatas que satisfazem desejos igualmente imediatos. Pouca prática duradoura permanece após consultas tão acessíveis que exigem tão pouco esforço. Os jovens - e não somente eles – são cada vez mais levados por esse mundo virtual imediato a se desligar dos desafios reais que a sociedade enfrenta e que a faz sofrer. Longe dos problemas, ficam também longe de uma reflexão séria que poderia se transformar em prática engajada no processo de transformação.
            Essa questão afeta as pessoas em todos os campos, também em suas práticas religiosas. A fé das pessoas parte de espaços e de tempos concretos e leva novamente aos mesmos espaços e tempos. A maneira de se viver cristãmente não escapa dessa lei. Constata-se que nos últimos tempos a vivência cristã em nosso meio está num processo contínuo de distanciamento entre fé e vida. A fé, se é que pode ainda ser chamada assim, está cada vez mais no nível do belo aéreo. Celebram-se ritos esplendorosos nas igrejas ou em praça pública, que ao invés de expressar vida em luta contra os males que afligem multidões de excluídos, mostram uma fé alienante e abstrata. As vestes litúrgicas e os utensílios sagrados acentuam o esplendor. Uma forte crise se abateu sobre a teologia católica e também sobre a Teologia da Libertação como um todo. Não que ela tenha desaparecido, nem que faltem teólogos sérios e comprometidos; mas seus apelos, gritos e lamentos encontram poucos ouvidos atentos. Prefere-se escutar o barulho dos instrumentos musicais e dos cantos que faz o público pular, mas que não sabe fazê-lo caminhar! Dizem que os “pulos” são obras do Espírito, mas esquecem que o Espírito que agia em Cristo deu ordens para que os discípulos andassem pelo mundo afora: “Ide...” Essa porta larga é tentadora também para o clero. Não são poucos padres e até bispos que não têm escrúpulo em esquecer a dureza da vida dos pobres e excluídos de suas comunidades e se entreterem com os que fazem shows de fé. Entre os seminaristas, futuros sacerdotes, cresceu assustadoramente tal tendência. Basta observar como grande parte deles se apresenta nas celebrações onde há concentração de pessoas, e, por outro lado, a sua quase ausência total nos bairros pobres, nas lutas pela sobrevivência dos excluídos, excluídos de tudo, até dos bens espirituais.
            Diante desse quadro, que não deixa de ser preocupante, talvez seja útil perguntar o que a teologia pode fazer para recuperar a sua presença na reflexão e na ação de nossas comunidades. Sabe-se que no Brasil, na América Latina, como também pelo mundo afora, existem bons teólogos; existe muito material por eles produzido, não apenas para vender livros, mas que chama a atenção às questões atuais, propondo respostas compromissadas. Mas, será que o problema principal não está justamente nos que deveriam traduzir a teologia para uma linguagem acessível ao povo simples? Não está na ausência desses intermediários nos lugares onde deveriam levar as propostas para se tornarem interpretações ativas? A quem cabe essa tarefa? Quando o material produzido pelos teólogos permanece somente entre eles, numa pequena parcela do clero ou de algum indivíduo que se interessa pelo assunto, a teologia, como diz J. B. Libânio, torna-se incestuosa.[1] Isso é grave: seus filhos podem nascer defeituosos. O que pode significar isso para a Igreja em nossas comunidades onde já estão tantos “deficientes”?
            Está mais do que na hora de voltar para o chão em que habitamos. Deus está no céu, mas nós o cremos na terra. Aliás, é o que respondemos em nossas liturgias: “Ele está no meio de nós”, mesmo que não estamos muito convencidos disso. Não tem sentido querer uma teologia lá das alturas se o que de fato interessa é o que está ao nosso redor e, é bom lembrar que a teologia é sempre fruto de seres históricos, isso é, que são limitados, e por isso, não se faz a teologia que se quer, mas aquela que se pode. Pode-se fazer teologia daquilo que é nosso, do nosso mundo que conta com a presença de Deus em Jesus Cristo. Mas esse Jesus Cristo, que nós gostamos de chamar Jesus de Nazaré, pois, denominando-o assim, expressamos melhor a sua presença na história humana, está lá onde estão os últimos dos seres humanos. A partir dos últimos, das vítimas, ele – Jesus de Nazaré – se apresenta como o Deus para todos. Se não se parte de lá é possível encontrar um deus que faz distinção entre as pessoas – não será um “Deus para todos”. E, por fim, bom é lembrar que a teologia ensina, a partir de sua experiência na práxis cristã, que o pobre e excluído não é melhor, nem moral ou religiosamente, que os demais, mas que sempre há de ser o preferido, tanto de Deus como da Igreja, por causa de sua situação desumana em que se encontra.[2] Ao se voltar para o Crucificado, o cristão, a partir do sofrimento dos muitos crucificados desta terra compreende que Deus, em Jesus de Nazaré, se coloca entre eles. Mesmo que sejam ímpios e injustos, também para eles é oferecida a esperança da salvação,[3] assim como é oferecida para todo ser humano. O acesso para essa esperança passa necessariamente pelos últimos.
            Portanto, reflexão teológica a partir da práxis e práxis a partir da reflexão teológica são mais que atuais. Cabe aos teólogos fazer a sua parte, cabe, no entanto, mais ainda aos pastores – aqueles que estão sempre diante das multidões: presbíteros, ministros da Palavra, catequistas, líderes comunitários – traduzirem em linguagem e prática acessíveis aos simples, legado teológico. Ajudar os pobres e os excluídos a compreender melhor a sua fé e a transformá-la em vida, na busca da terra sem males, como Jesus de Nazaré a sonhou.

Referências bibliográficas
FERRARO, Benedito. A teologia como produto social e produtora da sociedade: a relevância da teologia, in: BAPTISTA, P. A. N. e SANCHEZ, W.L. Teologia e Sociedade: Relações, dimensões e valores éticos, São Paulo: Paulinas, 2011.
LIBANIO. J. B. O ser humano como ser histórico, in: BAPTISTA, P. A. N. e SANCHEZ, W.L. Teologia e Sociedade: Relações, dimensões e valores éticos, São Paulo: Paulinas, 2011.
MOLTMANN, Jürgen. El Dios Crucificado: La cruz de Cristo como base y critica de toda teología cristiana. Salamanca: Segueme, 1977.


[1] LIBANIO, J.B., O ser humano como ser histórico, p. 32.
[2] Cf. FERRARO, A teologia como produto social e produtora da sociedade, pp. 46-53.
[3] Cf. MOLTMANN, J. El Dios Crucificado, p. 3.