quinta-feira, 16 de maio de 2013

Vaticano II hoje (3)

PACTO DAS CATACUMBAS (PONTO 2)

            No segundo item do Pacto das Catacumbas os bispos assim se expressam: “Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos). Cf. Mc 6,9; Mt 10,9s; At 3,6. Nem ouro nem prata”. Os textos citados dizem: “(Mandou) que calçassem sandálias e não usassem duas túnicas”; “Não leveis ouro, nem prata, nem dinheiro à cintura; nem sacola para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem bastão, pois o trabalhador tem direito a sustento”; “Pedro então disse: ‘Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho eu te dou’”.

Aparência e realidade da riqueza
            É verdadeiramente significativo que Jesus, o Divino Mestre, não apenas teve aparência de pobre, mas o foi de fato. Os bispos que assinaram o Pacto das Catacumbas haviam constatado que na Igreja e nos seus pastores, tanto na aparência quanto na realidade haviam deficiências. Propuseram-se a renunciar a ambas.
            Não há dúvida que a realidade da riqueza trava todo trabalho evangelizador. A riqueza prende as pessoas e não as deixa livres para a novidade do Reino, que é gratuidade, vida e justiça. Pastores e fiéis que possuem riquezas, não podem servir ao Reino, pois não se pode servir a dois senhores (cf. Mt 6,24). A Igreja, quando ao invés de se preocupar em primeiro lugar com a tarefa de evangelizar, vai ao encalço das riquezas, perde a sua identidade própria. A história, como mestra da vida, ensina isso muito bem. A busca ávida de riquezas fez e faz muito mal para a Igreja e para os seus pastores.
            Todavia, os bispos renunciaram também à aparência da riqueza. E o explicam fazendo referência aos trajes e insígnias de matéria preciosa. Esses signos precisam ser evangélicos e os trajes, quando usados nas celebrações, hão de ser estritamente litúrgicos. Tudo o que aparenta pompa, luxo e riqueza não convêm! Destoam do Evangelho e da pessoa de Jesus de Nazaré, de quem a Igreja e os pastores são discípulos.

Nem ouro nem prata
            Esse item do Pacto das Catacumbas e o testemunho de muitos bispos na Igreja Latino-americana deram muitos frutos renovadores. Disso não se pode duvidar. A Igreja em nosso Continente se apresentou com novo rosto: o rosto do povo pobre, injustiçado, mas lutador e confiante. Ele se sentiu Igreja, e quem quisesse ser Igreja haveria de se aproximar do povo. “Também sou teu povo, Senhor...”, soou por todos os cantos e valorizou àqueles que sempre estavam à margem da sociedade civil e religiosa. Esse cântico não pode parar!
            Concomitantemente à renovação da Igreja, que de rica se tornou pobre, resistiram forças contrárias. Nem todos tiveram coragem suficiente e nem vontade para aderir ao novo compromisso evangélico assumido pelos bispos do pacto. Isso criou tensões internas e externas. O ouro e a prata não foram abolidos por completo. Continuaram a brilhar em igrejas ricamente ornadas e nas vestes – litúrgicas ou não – dos bispos, padres, ministros, religiosos e leigos. Mesmo gente simples preferiu o brilho do ouro e da prata ao suor do rosto das pessoas trabalhadoras e sofridas.
            Hoje, o que mais deve preocupar, não é a reação dos grupos conservadores do imediato pós-concílio, mas o retorno à mentalidade da Igreja rica, na aparência e na realidade de muitos cristãos. Não dá para esconder: cada vez mais jovens sacerdotes, seminaristas e líderes das comunidades, principalmente dos movimentos conservadores, buscam riquezas e bem estar. Seus trajes e suas maneiras de se comportar não o negam. Insígnias e trajes, usados nas celebrações litúrgicas, estão muito distantes da maioria do povo que em meio à violência e a ignorância tenta se equilibrar e sobreviver. Não faltam clérigos que, pelas suas vestes, não ficam longe dos senhores deste mundo. Será que Jesus de Nazaré, se estivesse entre nós hoje, se vestiria desse jeito?

Conclusão
            Não é o hábito que faz o monge, mas o monge se apresenta com o seu hábito. Certamente não é a aparência externa que identifica a Igreja e os pastores dela, mas ela se apresenta pela sua aparência. A aparência diz muito sobre a identidade.
            Que tal se, pela passagem do jubileu do Vaticano II e a partir do exemplo do Papa Francisco, cada membro da Igreja, começando pelos leigos mais humildes até aos cardeais mais ilustres, todos se colocassem diante do Divino Mestre e se comprometessem novamente com Ele para levar adiante seu projeto de anunciar Boa-Nova aos pobres (cf. Lc 4,18), renunciando à aparência e à realidade da riqueza? Talvez assim a Igreja como um todo seria mais Igreja de Jesus Cristo e seria mais crível para o homem de hoje; menos aparente e mais verdadeira.
Pe. Mário Fernando Glaab
www.marioglaab.blogspot.com.br