sábado, 5 de dezembro de 2015

O cristão e o mal no mundo.

O SILÊNCIO DE DEUS

            Notícias de violência, injustiça, fome, calúnia, mentira, atentados, corrupções, guerras e mil e uma barbaridades são diariamente veiculadas pelos meios de comunicação. Há quem não liga porque ficou anestesiado. Diz que é assim mesmo. Outro se preocupa, mas também não sabe o que dizer ou fazer. Tem, no entanto, também aquele que se escandaliza e, coloca a culpa até mesmo em Deus! Por que Deus se silencia, por que não intervém? É matéria para uma boa reflexão.
            O Papa Bento XVI ao visitar o campo de concentração também fez a inquietante pergunta: “Onde estava Deus?” Ele deixou a pergunta no ar. Não a respondeu, como que dizendo, “responda cada um, conforme a sua fé e sua convicção religiosa”. Será que o Papa estava com dúvida sobre onde Deus estava quando essas terríveis atrocidades aconteceram? Certamente não.
            Por estes dias, alguém, impressionado com os atentados em Paris, mais uma vez perguntou: “Por que Deus não diz nada? Teria Deus se esquecido da humanidade?” É! Quando a dor, a injustiça e a morte violenta tocam diretamente as pessoas, não é de estranhar que tais interrogações surjam. Mas, a fé cristã, quando é verdadeira e profunda, vai além de tudo isso, e encontra a resposta que não é teórica, porém prática e comprometedora.
            Será que não está mais do que na hora de reavivar a fé e a confiança no Deus presente em nossa história e, no mistério da Encarnação do Verbo? O cristão não se cansa de professar que Deus é Pai Criador, Filho Redentor e Espírito de Amor. No entanto, esta profissão de fé não pode ficar no ar, deve, no entanto, ajudar cada um, e também às comunidades cristãs, a se colocarem na atitude de escuta e de resposta comprometedora. Deus, em Jesus Cristo, não está surdo! Ele fala e age a tal ponto de se fazer carne – carne como a nossa, em nossa carne. Deus fala e age onde fala e age o cristão; ou mesmo onde fala e age qualquer ser humano de boa vontade. Deus coloca tudo ao dispor do ser humano: sua força criadora, sua Palavra, sua graça e sua bênção. Basta acolhê-la e assumi-la.
            Ele, Deus, está sempre onde estão as pessoas, preferencialmente os mais necessitados. Ele está, primeiramente nas vítimas, sofrendo com elas as conseqüências das maldades, apoiando, sustentando e perdoando; porém, fala e age igualmente em todos os que consolam, que ajudam e que lutam contra toda forma de violência, de opressão, de injustiça e de morte. Portanto, afirmar que Deus se cala, ou que Deus não está presente em certas situações limites da vida é, em última instância, negar o Deus anunciado e revelado por Jesus de Nazaré e por tantos homens que não se deixaram vencer pelo mal, mas que, apesar de serem crucificados como ele, confiaram e se tornaram testemunhas verdadeiras.
            Deus, onde estás? Lá onde está o pobre, o necessitado, o injustiçado. Também onde estão as pessoas de bem, aqueles que como Jesus de Nazaré sabem abraçar, abençoar, curar e sofrer juntos. Não sejamos covardes, não joguemos a culpa em Deus; mas tenhamos fé e, façamos a nossa parte. Se no mundo existe muita maldade, o compromisso do cristão, e das pessoas de bem, é maior ainda. Ajudemos a tornar a realidade um pouco melhor, mais parecida com o Reino imaginado e inaugurado por Jesus de Nazaré.

Pe. Mário F. Glaab

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Palavras de um sábio ancião.

Um eticamente desqualificado manda a julgamento uma mulher íntegra e ética

03/12/2015

O Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é acusado de graves atos delituosos: de beneficiário do Lava-Jato, de contas não declaradas na Suiça, de mentiras deslavadas como a última numa entrevista coletiva ao declarar que o Deputado André Moura fora levado pelo Chefe da Casa Civil Jacques Wagner a falar com a Presidenta Dilma Rousseff para barganhar a aprovação da CPMF em troca da rejeição da admissibilidade de um processo contra ele no Conselho de Ética. Repetidamente afirmou que a Presidenta em seu pronunciamento mentiu à nação ao afirmar que jamais se submeteria à alguma barganha política.

Quem mentiu não foi a Presidenta, mas o deputado Eduardo Cunha. Seu incondicional aliado, o deputado André Moura, não esteve barganhando com a Presidenta Dilma, como o testemunhou o ministro Jacques Wagner. Vale enfatizar: quem mentiu ao público brasileiro foi Euclides Cunha. Imitando Fernando Pessoa diria: Ele, mentiroso, mente tão perfeitamente que não parece mentira as mentiras que repete sempre.

É mentira que seu julgamento foi estritamente técnico. Pode ser técnico em seu texto, mas é mentiroso em seu contexto. O técnico nunca existe isolado, sem estar ligado a um tempo e a um interesse. É o que nos ensinam os filósofos críticos. Ele deslanchou o processo de impeachment contra a Presidenta exatamente no momento em que, apesar de todas as pressões e chantagens sobre o Conselho de Ética,soube que na votação perderia pois os três representantes do PT acolheriam a aceitação de um processo contra ele, o que poderia, depois, significar a sua condenação.

O que fez, foi um ato de vindita reles de quem perdeu a noção da gravidade e das consequências de seu ato rancoroso.

É vergonhoso que a Câmara seja presidida por uma pessoa sem qualquer vinculação com a verdade e com o que é reto e decente. Manipula, pressiona deputados, cria obstáculos para o Conselho de Ética. Mais vergonhoso ainda é ele, cinicamente, presidir uma sessão na qual se decide a aceitação do impedimento de uma pessoa corretíssima e irreprochável como é a Presidenta Dilma Rousseff.

Se Kant ensinava que a boa vontade é o único valor sem nenhum defeito, porque se tivesse um defeito, a boa vontade não seria boa, então Eduardo Cunha encarna o contrário, a má vontade, como o pior dos vícios porque contamina todos os demais atos, arquitetados para tirar vantagens pessoais ou prejudicar os outros.

Seu ato irresponsável pode lançar a nação em um grave retrocesso, abalando a jovem democracia, que, com vítimas e sangue, foi duramente conquistada. Não podemos aceitar que um delinquente político, destituído de sentido democrático e de apreço ao povo brasileiro, nos imponha mais este sacrifício.

Faço um apelo explícito ao Procurador Geral da República, ao Dr. Rodrigo Janot e a todo o Supremo Tribunal Federal: pesem, sotopesem e considerem as muitas acusações pendentes contra Eduardo Cunha nas áreas da Justiça. Estimo que há suficientes razões para afastá-lo da Presidência da Câmara e que venha a responder judicialmente por seus atos.

A missão desta mais alta instância da República, assim estimo, não se restringe à salvaguarda da constituição e à correta interpretação de seus artigos, mas junto a isso, zelar pela moralidade pública, quando esta, gravemente ferida, pode constituir uma ameaça à ordem democrática e, eventualmente, levar o país a um golpe contra a democracia.

Mais que outros cidadãos, são suas excelências, os principais cuidadores da sanidade da política e da salvaguarda da ordem democrática num Estado de direito, sem a qual mergulharíamos num caos com consequências políticas imprevisíveis. O Brasil clama pela atuação corajosa e decidida de vossas excelências, como ultimamente, tem demostrando exemplarmente.
Leonardo Boff, ex-professor de ética da UERJ

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Importância da formação teológica nas paróquias.

FORMAÇÃO TEOLÓGICO-PASTORAL PARA GESTORES PAROQUIAIS

            Os gestores paroquiais sabem muito bem que na sociedade onde pululam ofertas religiosas por toda parte, num ambiente plural como o nosso, a visibilidade e beleza das igrejas, seus cultos e atendimentos paroquiais simpáticos não podem faltar, pois para competir com tudo isso, eles são essenciais. Isso está claro. Templos, celebrações, equipes litúrgicas, padres e funcionários paroquiais que não atraem pela beleza, pela simpatia pela leveza, não conseguem seu lugar em meio à esfomeada concorrência da oferta do mercado religioso no mundo plural em que vivemos.

Pastoral de conversão
            Porém, só isso é pouco. A preocupação do gestor não pode ficar somente neste aspecto. Ela necessita estar atenta, pois o gestor deve estar em comunhão com todo o andamento pastoral e teológico da Igreja, no mundo, e, principalmente no Brasil. Assim, sua ação estará carregada de conteúdo sólido e, de fato, poderá responder às questões das pessoas de hoje, em seus anseios e incertezas, próprias da turbulência que agita a sociedade hodierna, e também à Igreja nas suas mais diferentes comunidades.
            Para tal, o gestor precisa conhecer os modelos teológico-pastorais que norteiam a ação evangelizadora da Igreja. É de extrema importância, a partir do Documento de Aparecida e, ultimamente, da Encíclica Evangelii Gaudium, para citar apenas dois, que se conceba a Igreja como “Igreja de Igrejas”, ou ainda, a paróquia como “comunidade de comunidades”; pois, o Papa Francisco não se cansa de convocar todos para uma “pastoral de conversão missionária”. Francisco desafia a Igreja, no nosso caso as paróquias com seus primeiros responsáveis, para sair da sacristia e ir para as periferias onde estão as pessoas.
            A pastoral de conversão missionária é um processo – não está terminado. O gestor precisa saber que não possui um “pacote” de verdades a oferecer a quem o procurar. Ele, necessariamente, deve entrar na dinâmica do encontro direto, tanto com Jesus Cristo quanto com o povo, também com aquele que não vem à sacristia ou à missa dominical. Nesse duplo encontro é que se efetua a conversão do agente, e consequentemente, das pessoas que são tocadas “corpo a corpo”, não como massa. Para isso, no entanto, o gestor, além de se utilizar dos meios modernos de comunicação, e além de conhecer suas técnicas; não pode deixar de se aprofundar nos conhecimentos teológicos; assim ter mais teologia que doutrina, mais princípios que dogmas, e ser mais pastor que administrador ou organizador.

Paróquia missionária
            A metodologia que orienta a conversão missionária é a de Jesus e das comunidades cristãs primitivas. Convidam-se as pessoas concretas – os indivíduos – para o discipulado. À medida que o processo mestre-discípulo se concretiza, acontece a organização, a estruturação e a instituição da entidade. Contudo, também o mestre aprende com os discípulos. Conforme as necessidades e questionamentos deles, ele se adapta e se forma. Nas igrejas embrionárias foi assim, e, pelos séculos afora não foi diferente. O perigo está em se fechar no passado, pensando que já se sabe tudo e, que não é preciso crescer e se renovar continuamente.
            Para não se deixar levar pela onda do momento, é igualmente importante salientar que conhecimentos teológicos básicos, fundamentados nos modelos eclesiológicos e pastorais elaborados por mestres experimentados, protegem os valores evangélicos de interpretações ou de doutrinas falsas. O gestor é antes de tudo profeta. Isso por ter formação teológico-pastoral sólida; e por estar inserido na vida, na atividade e na dinâmica transformadora dos paroquianos.
            Administrar com competência uma paróquia e torná-la visível e bela é, sem dúvida, necessário; contudo, colocá-la ao dispor das pessoas para ser instrumento de salvação, de libertação, de misericórdia, de vida plena é mais necessário ainda. Qualquer que seja o gestor paroquial, não deve nunca se furtar de aprofundamentos teológico-pastorais. Além de participar dos encontros de formação em sua comunidade, deve estudar e refletir por conta própria, e fazer a experiência com o povo com o qual convive.

Sugestões:
1-      Deve-se investir para que o conjunto que forma uma paróquia - templo, liturgia, equipes de celebração, cantos, desenvolvimento dos ritos, funcionários, secretários... – seja belo e visível para que os fiéis possam ver e se sintam bem;

2-      Deve-se, no entanto, não ficar somente nesse primeiro aspecto. Os gestores precisam conhecer os fundamentos teológicos e eclesiológicos da Igreja, especialmente da Igreja no Brasil nos tempos atuais;


3-      Os últimos documentos da Igreja convidam à “pastoral de conversão missionária”, isto é, desafiam a todos, mas diretamente os gestores, a fazer a experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo e com as pessoas concretas. A partir de Jesus colocar-se no caminho do discipulado com os irmãos, e com eles procurar na Igreja respostas para as perguntas e saída para as angústias que os atormentam;

4-      Os gestores devem ter mais teologia que doutrinas; mais espírito de pastoreio que de administração;


5-      Os gestores, baseados em fundamentos sólidos, nunca “negociam” os valores evangélicos, mas como profetas os apresentam, com novas roupagens ou novas interpretações para a defesa do homem todo e de todos os homens. Esta é a presença da Igreja – da paróquia – no mundo, junto às pessoas – também nas periferias da humanidade.

Pe. Mário Fernando Glaab

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Viver na história, não da história

CABEÇA ERGUIDA, PÉS NO CHÃO

            Ouve-se frequentemente esta recomendação: cabeça erguida, pés no chão. É para lembrar que, na realidade humana, as duas dimensões não podem faltar e nem ser substituídas, nem uma privilegiada em detrimento da outra. O ser humano é animal racional, não somente animal, não somente racional, é corpo e alma, matéria e espírito. Igualmente se pode afirmar que o ser humano vive da história, mas não pode deixar de fazer história.

E Deus viu que era bom!
            O primeiro livro da Bíblia nos diz que Deus contemplou a criação, obra de sua Palavra poderosa, e viu que era tudo muito bom! (cf. Gn 1). O Papa Francisco, em sua Encíclica Laudato Si, lembra algo muito interessante dos ensinamentos de São Francisco de Assis, ao citar que o Santo pedia aos seus seguidores, “que no convento, se deixasse sempre uma parte do horto por cultivar, para aí crescerem as ervas silvestres, a fim de que, quem as admirasse, pudesse elevar o seu pensamento a Deus, autor de tanta beleza” (LS 12). E o papa explica o ensinamento do grande Contemplador das Maravilhas de Deus na Natureza, lembrando que Deus se revela pela natureza, além do livro da bíblia, como em um outro livro muito maravilhoso, dando a conhecer Sua beleza e bondade. O mundo com tudo o que contém é um mistério que convida à contemplação gozosa; faz experimentar alegria e leva ao louvor. Mesmo que no mundo se encontram espinhos, ele é bem mais do que uma problema a resolver, pois nele o Deus invisível ser faz visível para quem o respeita e tem fé.
            Quando eu ainda era uma criança, lembro que conheci uma mulher, uma senhora do povo pobre, muito humilde e analfabeta, mãe de muitos filhos; sua fé era visível nos afazeres do dia-a-dia. Além de cuidar da família, enfrentando momentos dificílimos quando faltava tudo, até mesmo o alimento, a saúde, o trabalho; ela ainda arrumava tempo para ajudar aos outros. Ela era parteira; daquelas que nunca fizeram curso algum, mas que pela prática nas maiores necessidades dos pobres de Javé, aprendera a ajudar a dar à luz. Apoiar aquelas que colaboravam com o Deus da Vida era para ela sagrado! Andava por toda a região ajudando, rezando, incentivando e sofrendo junto – uma santa! -, não como a “sociedade civilizada” concebe os santos, mas conforme o Deus de Jesus de Nazaré declara seus santos, os bem-aventurados.
            Esta mulher, sem saber ler, sem saber de nada das preocupações sobre o meio-ambiente, quando fazia suas rocinhas onde cultivava o sagrado alimento para a família, tinha uma intuição divina que a levava a deixar um cantinho sem colher, para que os passarinhos também tivessem alimento. É possível acreditar?! Sim; é pura verdade!
            Ao compartilhar a sua preocupação com a natureza foi considerada, pelas demais senhoras, de ignorante, e até fizeram dela motivo de chacota. Ela, no entanto, não ligava. Não era a sua pessoa que importava, mas cuidar da família, dos necessitados e da criação de Deus. Por ela, também hoje, Deus via que tudo era muito bom.
Viver na história, não da história

            Facilmente nos apegamos às conquistas que durante a história a humanidade adquiriu. Gostamos de viver no passado. Somos conservadores doentios. Sonhamos em acumular para poder usufruir sempre mais. Queremos ter muitas posses, garantias onde nos podemos colocar nossa confiança. Na verdade, não deveria ser assim: Deus em seus dois livros: na bíblia e a natureza, nos ensina outra maneira para viver. São tantos os homens de fé, de esperança e, especialmente de caridade que testemunham este outro jeito de viver. São Francisco, o Papa Francisco, e de modo todo particular, esta mulher, típica do povo simples, pobre e lutador, convocam-nos a ter os pés no chão, viver da história, mas muito mais, na história.
            O Espírito de Deus, que pairava sobre as águas quando a terra ainda estava deserta e vazia (cf. Gn 1), continua a soprar em todos os cantos de nosso imenso planeta, principalmente onde encontra homens e mulheres que o sabem acolher, sabem intuir seu sopro de amor, de respeito e de proteção. A nossa cabeça deve estar erguida para que possamos ver, ouvir e sentir para onde o vento sopra, mas os pés devem estar bem fixos no chão da existência concreta. Toda a criação está repleta do Espírito de Deus.

Pe. Mário Fernando Glaab

sábado, 26 de setembro de 2015

Pobres e Ricos.

BASTANTE POBRES MUITO POBRES E POUCOS RICOS MUITO RICOS

            Existe uma questão que não nos deixa tranquilos: quantos pobres são necessários para formar um rico? Muito estranho, talvez nunca tenhamos levado muito a sério esta pergunta. À primeira vista parece que é questão de soma: um mais um, mais um... Quantos pobres somados resultam em um rico? Mas talvez não seja assim. Então, olhando de outro ângulo dá para esclarecer melhor. Reformulemos assim: quantos pobres são necessários para manter um rico? Aí a coisa fica diferente. Somente assim fica claro que não é a soma dos pobres que resulta em ricos, mas que estes são indispensáveis para aqueles. Pois, quanto mais pobres juntos – somados -, tanto mais miseráveis aparecem! Os ricos ficam longe de numerosos pobres.
            Já se pode afirmar com toda certeza que há proporcionalidade inversa entre ricos e pobres, isto é, numerosos muito pobres para poucos muito ricos X mais ricos moderados para mais pobres remediados. Talvez o raciocínio não seja tão claro, mas veremos:
            A tradição cristã, baseada na Escritura, sempre teve em alta consideração o trabalho aos pobres, porém o trabalho com os pobres não gozava de tanta preocupação. Quando isso acontece, cai-se facilmente no vício de manter a situação: os poucos muito ricos cevando a multidão bem pobre, para que esta os sustente. É a concretização do que Jesus viu quando estava observando a multidão que colocava dinheiro no cofre das ofertas, e comentou o fato da pobre viúva que deu mais do que os ricos, apesar da quantia ser ínfima (cf. Mc 12,41-44). Os ricos deram do que lhes sobrava, a viúva deu tudo o que tinha. Isto era para o cofre do Templo, mas no dia-a-dia da sociedade, os ricos deixam algumas migalhas aos miseráveis para que permaneçam miseráveis, e que assim possam deles absorver (roubar) tudo. O pobre miserável dá tudo o que possui ao rico, principalmente a sua dignidade, sem nem mesmo sabê-lo. Sustenta e apóia seu próprio explorador. Agradece por qualquer migalha que cai da mesa do rico, e, como não tem com que pagar, faz-lhe elogios; e o voto de confiança lhe está garantido. Triste realidade!
            Jesus, no Evangelho de Lucas tem palavras duras para com os ricos: “Ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós que agora estais fartos, porque passareis fome! Ai de vós que agora estais rindo, porque ficareis de luto e chorareis! Ai de vós quando todos falarem bem de vós, pois era assim que seus antepassados tratavam os falsos profetas!” (Lc 6,24-26). São Tiago não fica atrás. Ele faz uma pergunta inquietante que deveria deixar todos com as orelhas em pé: “Acaso não são os ricos que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais?” (Tg 2,6). E continua: “Olhai (ricos): o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, e que vós deixastes de pagar, está gritando; o clamor dos trabalhadores chegou aos ouvidos do Senhor todo-poderoso” (Tg 5,4).
            Se mesmo assim ainda existem ricos que se enquadram nos textos citados (poder-se-ia citar inúmeros outros), precisa-se admitir que o “deus deles é diferente” que o Deus de Jesus de Nazaré. Deve ser o “deus dinheiro”, que não está entre os pobres, mas está onde dois ou mais ricos estão reunidos em seu nome. Este deus justifica toda a ação gananciosa para aumentar cada vez mais os bens, mesmo que isso sacrifique o pobre, sua vítima. Os mandamentos deste deus são outros. Somente os ricos os conhecem.

Ricos abençoados!
            Há quem pensa assim: os ricos são ricos porque seu esforço foi abençoado por Deus. É a teologia da prosperidade. Quanto mais bens alguém tem, tanto mais abençoado é! Existe, no entanto, jeito de conformar este raciocínio com a fé cristã?
            Na verdade, isto é impossível. O Deus da Bíblia é o “Deus dos pobres”, e negar isto seria desfigurar totalmente sua identidade. Qualquer religião que conceba Deus como defensor dos ricos, de seus privilégios e de suas riquezas não merece ser respeitada como religião, mas, por força de sua concepção, é superstição ou idolatria.
            Jesus de Nazaré fala da dificuldade, ou melhor, da impossibilidade, de o rico se salvar (cf. Mt 19,23-24), e chama felizes os pobres porque deles é o Reino de Deus (cf. Lc 6,20). Sem dúvida, a impossibilidade da salvação do rico não está por ter cometido algum pecado grave, mas por prestar culto a um deus falso – deus dinheiro -, é um idólatra. E enquanto idólatra quem o pode salvar? O dinheiro?
Como fica então a questão da bênção? É a felicidade dos pobres em ter o Reino de Deus. Deus está onde está o pobre, o sofredor, o injustiçado, o explorado, o excluído e o pecador. Esta é a verdadeira bênção. Não é a pobreza em si, mas Deus que vem ao encontro do pobre. Ou melhor, Deus que pode ser acolhido pelo pobre, uma vez que o pobre não adora o falso deus dos ricos. O pobre, como a viúva do Evangelho, não está preso a nada. A sua verdadeira riqueza é a vida dele mesmo e a vida dos demais pobres. São Lourenço, ao ser perguntado sobre as riquezas da Igreja, respondeu que a riqueza que a Igreja tem são os pobres. Estes somados, ou acumulados, nunca formam um único rico, pelo contrário, muitos pobres fortificam-se mutuamente na confiança em Deus, protetor dos pobres.
            Quando um pobre se une a outro pobre espera-se colaboração mútua; todavia, quando um rico procura outro rico, geralmente existem intenções espúrias que destroem e matam os mais fracos. Nos relacionamentos entre os pobres existe ajuda desinteressada, mas nos relacionamentos entre os ricos, mesmo que um apóie o outro, as intenções não são boas.

Nem riqueza nem pobreza
            Muito sábias as palavras do Livro dos Provérbios: “Não me dês pobreza nem riqueza, mas o pão de cada dia. Porque, se estou saciado, eu poderia esquecer-me de ti dizendo: e quem é este Deus? E, se estou passando necessidade, poderia roubar ou maldizer o Nome de meu Deus” (Pr 30,8-9). O ideal pensado por Deus é que todos os seus filhos e filhas tenham o suficiente para viverem dignamente. Deus não colocou os bens nesta terra para que uns se apossassem deles em detrimento dos outros, mas para que fossem bem administrados e compartilhados entre todos. Porém, enquanto alguns poucos têm demais, outros muitos têm de menos.
            Na visão da fé cristã, levam vantagem os pobres – os muitos que têm de menos – não porque não possuem, mas porque Deus ouve seus lamentos e vem ao seu encontro para socorrê-los. Os ricos – poucos que têm demais – são entregues à sua própria sorte porque o deus falso não os pode salvar, pois ele não é o Deus da Vida. Já os antigos Padres da Igreja costumavam dividir a humanidade em infra-humanos e inumanos: os infra-humanos são os pobres, vítimas dos inumanos; estes, por sua vez – os ricos -, são vítimas de sua própria riqueza. Deus vem em socorro dos infra-humanos, mas não pode socorrer os inumanos “porque onde estiver o teu tesouro, aí estará o teu coração” (Mt 6,21).
            Tenhamos coragem para renunciar ao supérfluo e não deixar que o nosso coração se prenda aos bens desta terra para não adorarmos o deus falso do dinheiro; e como pobres entre pobres, ajudemo-nos uns aos outros a ter vida mais justa, digna e fraterna. Deus com certeza estará conosco, abençoando-nos e dando-nos vida em abundância.
Pe. Mário Fernando Glaab

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sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Hunsrikisch Spessje

DER KLUGE PODDA UM DAT FROMME LISJE

            In unsa alte Kolonie hot doch fria dat Lisje gewoht. Dat Fraache wo doch iwerol bekandt weil sie so ohrich fromm gebet hot. In die Kolonie is awa doch imme de Podda Franziskus kum; dea wo en gute Podda; hot awa gen Spessja gemach. Wie ea das se wisse griet hot das dat Lisje so fromm bete kint is er sie mol besuche gan. “Gumoin, Lisje”, sorra. “Wie geht es mit dem Bete? Tut dea fa uns all bete, odde nore fa sich selbst?” Dat Lisje woa gans iwarumpelt mit dem Besuch, un aach mit de Froge, hot en bisje gedenkt, un geantwot: “Gumoin, Herr Podda. Mich geht es gut, un ich tun aach fa die ganse Leit bete, aach fa de Podda. Ich wees jo net epp das gilt weil ich kan jo net die scheene Gebeta mache wo die annere Leit mache, weil ich kann jo net leese. Aach so bete wie de Podda, das kann ich iwahaupt net. De Podda kann bete das ma jo konicks versteht, blos de Liewe Gott versteht jo das” (dat Lisje hot am Latein gedenkt). Do wolt de Podda en Spesje mache. Soot zum Lisje: “Ja, awa zum bete brauch ma jo gonet viel ze soon, noore gute Wille han. Dat wo in Gebetbuch steht, dat muss ma enfach sich se denke, de Liewe Gott weiss jo was ma will. Noore mo andlich gebet, Lisje”.
Naja, im nechste Monat woa de Podda nochmal in de Kolonie, is in die Kerich kum un hot das Lisje in de Bank knie gesien. Es hot so fromm gebet das ma gemeent hat des de Himmel uf de Erde wer. Hot mo uffgepast un gesiehn dat das Lisje so gepischpat hat un mit dem Gebetbuch in de Henn geschwitz hat. No en halb Stun horra dan mo zum Lisje gesaat: “Lisje, du hascht doch so scheen un fromm gebet; sog doch mol, wie hast du das gemach, du kannst jo doch net leese?” Do hat das Lisje awa mo fix geantwot: “Awa Podda, du host doch in dem voriche Monat gesaat ma mist blos gute Wille han, de Liewe Gott tet alles verstehn. Ich hon mei Gebetbuch gepletat un fa jede Ploot gesocht: ‘Liewe Herrgott, du weest jo was do steht, ich weiss es net, awa ich meene das selwige’. Meins du dass das net gegilt hat?” Dem Podda is es gans kalt um de Nawel woa, hot werklich konstatiert dass das Lisje fromm woa un das er noch lache must.
Gute Zeite wo die Leit noch unschuldiche woore un aach noch froha!
Gloabsmário
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Surpresa: Jesus não é moderado!

JESUS NÃO É MODERADO – OUTRA SURPRESA! (6)

            Jesus, justamente por ser mestre, tem algo diferente. Ele surpreende sempre de novo a qualquer um que dele se aproxima sem preconceitos. Já vimos que ele não tem boa memória, pois ao perdoar os pecadores, esquece-se de seus pecados; não é um bom administrador, pois ele paga o mesmo salário a quem trabalha uma hora e a quem sua o dia inteiro; ele não sabe atrair discípulos, uma vez que não esconde que o convertido precisa negar-se a si mesmo e carregar a sua cruz; não é justo, já que coloca os primeiros da fila nos últimos bancos e os últimos nos primeiros bancos; também não tem dó das pessoas humilhadas, pois manda o esbofeteado na face direita oferecer a face esquerda ao agressor; agora veremos que também não tem moderação, uma vez que é exagerado no cuidado para com os perdidos, esquecendo dos que estão bem.

Moderação
            A moderação sempre é vista como prudência, e é a virtude do meio termo. Já os antigos filósofos diziam que a virtude está no equilíbrio, no evitar exageros. Não ir para um nem para outro lado é ser sábio. O moderado controla racionalmente seus instintos, canalizando-os para o que é correto, não deixando que eles se extravasem. O moderado vive na segurança.
            Por outro lado, existem pessoas que não conseguem manter o equilíbrio, uma vez que existem nelas forças mais fortes que as levam a enveredar por caminhos de exagerados procedimentos. Quando essas forças são negativas, pode-se falar da concupiscência que leva ao vício; quando, no entanto, elas são positivas, não necessariamente levam à virtude. Existem pessoas entusiastas, mas não entusiasmadas. Uma qualidade boa procurada ou vivida exageradamente pode prejudicar outras qualidades, e assim, se torna igualmente vício.

Jesus, cheio do amor de Deus
            O que então queremos dizer ao afirmar que Jesus não é moderado? Ele deixa 99 ovelhas sozinhas para procurar uma única que se perdera!
            É este um exagero? Sem dúvida. Contudo, a surpresa maior não consiste em perceber que Jesus deixa as 99 nove ovelhas que estão bem, mas em ter coragem e ânimo para ir ao encalço da única perdida. Não se pode, nesse caso, falar de vício ou de apego ganancioso a algum bem ao ponto de se desesperar por perdê-lo, mas é preciso descobrir os sentimentos mais nobres que impulsionam tal procedimento. Ninguém, em sã consciência, mesmo que fosse ganancioso no mais alto grau, correria o risco de se lançar em um empreendimento desses. Jesus o faz. Com toda certeza, não porque é tolo, mas por ter um fogo interno que o leva a cuidar de todos; ele não se tranqüiliza enquanto não estiverem todos abrigados, pois é o verdadeiro Bom Pastor. Este fogo interno se chama entusiasmo, que não é outra coisa, a não ser amor. Amor, por sua vez, é a força ou presença do Espírito Santo de Deus. Ele que abraça todas as criaturas, e que não deixa nenhuma no esquecimento.

Todos são amados
            As 99 ovelhas do aprisco não estão abandonadas, de forma alguma; mas é inconcebível que uma fique excluída do amor de Deus. Deus, em Jesus, que age na força do Espírito Santo, vai procurar a mais pobre, a mais abandonada de suas criaturas. Este é o sinal mais convincente da presença do Reino de Deus neste mundo. E, pode-se dizer, sem medo de errar, que enquanto existir uma única pessoa excluída da comunhão universal, e até mesmo, uma única criatura excluída – seja ela o que for –, o Reino de Justiça e de Paz ainda não se realizou completamente.
            Se Jesus surpreende com a sua falta de moderação, talvez esteja desafiando a nós para que deixemos as nossas seguranças e tenhamos mais coragem para nos lançar livres e confiantes na graça e no amor de Deus, buscando os desvalidos dessa terra. Viver tranquilos, acomodados e seguros enquanto tantos não têm onde se abrigar, onde se alimentar, onde encontrar aconchego, carinho e amor, é no mínimo, anticristão. Sejamos exagerados no amor ao próximo e à natureza e, estaremos no caminho do Mestre de Nazaré.
Pe. Mário Fernando Glaab

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terça-feira, 4 de agosto de 2015

"Jesus não tem dó!"

SURPRESAS EM JESUS – “NÃO TEM DÓ DAS PESSOAS!”
            Parece estranho, até mesmo uma acusação descabida, e, de fato é; mas entre as tantas reações que a pessoa e as atitudes de Jesus causam em nós, surpreende-nos quando ele, “sem dó”, aconselha: “A quem te bater numa face, oferece a outra; a quem te tomar o manto, deixa-lhe também a túnica. Dá a quem te pedir; a quem tomar o que é teu, não o reclames de volta” (Lc 6,29-30). Jesus não tem dó das pessoas humilhadas: ele manda o esbofeteado na face direita oferecer a face esquerda ao agressor! Pode? Onde está a dignidade do humilhado!
Novidade do Reino
            Faz parte da novidade do Reino. Todos sabemos que um mundo sem justiça não pode ser um lugar de paz e de harmonia. Jesus o sabe muito bem e não aceita, de forma alguma, os que praticam o mal e assim prejudicam os pequenos, mas lhes propõem conversão. A surpresa está em ter dó não somente do agredido, mas igualmente do agressor. Talvez mais deste último que do primeiro. Isto porque ele é o que de fato mais necessita, não somente de um sentimento de dó, mas de misericórdia que o liberte do egoísmo que o faz violento e injusto.
             O que Jesus propõe é o que ele próprio faz; aliás, é o mestre ensinando seus discípulos. Ele é o rosto da misericórdia do Pai que faz o seu sol iluminar os bons e os maus sem discriminação. A proposta de Jesus é de que os agressores sejam vencidos pelo bem que perdoa sem restrições. Que eles possam experimentar a misericórdia de Deus que é eterna. Jesus se doa totalmente. Os discípulos de Jesus têm a missão de testemunhar essa mesma misericórdia, pois antes já a encontraram nas palavras e nos atos de Jesus. E, sempre estão renovando a experiência de sua misericórdia.
            Do ponto de vista dos discípulos, a verdadeira surpresa consiste em que Deus em Jesus de Nazaré não somente fala de justiça na lógica humana, mas a supera em muito: ele os prepara para a justiça divina. A justiça do pai que sempre está à espera do filho que saiu de casa.
A misericórdia envolve os discípulos
            Perdoar não é fácil. O perdão, conforme Jesus o propõe, não é um ato de justiça, pois nunca se pode exigi-lo de ninguém como um dever social. O perdão de Jesus supera as leis sociais de justiça. Aliás, juridicamente o perdão não existe. Na verdade, o código penal ignora o verbo “perdoar”. Mas, segundo Jesus, é do amor gratuito que o gesto surpreendente e muitas vezes heróico do perdão nasce.
            Se também com essas palavras Jesus nos surpreende, tenhamos a coragem de nos aproximar do mistério da misericórdia do próprio Deus, pois se não se conhece a experiência de ser perdoado por Deus, nunca saberemos perdoar e fazer o bem aos que nos fazem o mal. Dom Helder Câmara sabiamente lembra aos que desejam se aproximar do mistério da misericórdia de Deus: “Para libertar-te de ti mesmo, lança uma ponte para o outro lado do abismo que teu egoísmo criou. Procura ver para além de ti mesmo. Procura escutar algum outro e, sobretudo, procura esforçar-te para amar a outros em vez de amar somente a ti”. E o Papa Francisco, na Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia Misericordiae Vultus, ao falar dos verdadeiros filhos do Pai de misericórdia, lembra que perdoar nos parece difícil! “E, no entanto, o perdão é instrumento colocado nas nossas frágeis mãos para alcançar a serenidade do coração. Deixar de lado o ressentimento, a raiva, a violência e a vingança são condições necessárias para se viver feliz” (9).
Igreja misericordiosa
            Se Deus em Jesus nos surpreende ao não se limitar em afirmar o seu amor, mas em torná-lo visível e palpável, também nós precisamos ir mais além a fim de alcançar uma meta mais alta e significativa: enchermo-nos da misericórdia de Deus. E, para terminar, mais uma citação do Papa Francisco: “A primeira verdade da Igreja é o amor de Cristo. E, deste amor que vai até ao perdão e ao dom de si mesmo, a Igreja faz-se serva e mediadora junto dos homens. Por isso, onde a Igreja estiver presente, aí deve ser evidente a misericórdia do Pai. Nas nossas paróquias, nas comunidades, nas associações e nos movimentos – em suma, onde houver cristãos -, qualquer pessoa deve poder encontrar um oásis de misericórdia” (12).

Pe. Mário Fernando Glaab

domingo, 28 de junho de 2015

As surpresas em Jesus, o Cristo.

JESUS SURPREENDE (4)

            Muito interessante: sempre de novo se escuta a Igreja proclamar o evangelho de Jesus Cristo. Talvez já tão acostumados em ouvir repetidamente a palavra “evangelho”, ela nem nos chama mais a atenção. Porém, evangelho quer dizer “boa-nova”, uma notícia boa. Portanto, quando na liturgia, a Igreja assim se pronuncia ela está anunciando mais uma vez uma boa notícia de Jesus de Nazaré, que acreditamos ser o Cristo – Filho do Deus Vivo -, como professou Simão Pedro. Essa é a surpresa que sempre se renova. Contudo, na grande Surpresa, que é o próprio Jesus, encontramos inúmeras surpresas, que como graças momentâneas, nos enriquecem grandemente.

Jesus não é justo!
            Quem se deixou surpreender pela pessoa e pela ação de Jesus vai formando aos poucos um conceito amplo dele. Vai descobrindo sempre mais qualidades nos feitos e nas atitudes do Pregador da Palestina. Todavia, algumas palavras ou feitos podem surpreender diferentemente, até confundir. Quem está atento, de repente pode se deparar com parábolas que mostram Jesus ensinando coisas não justas! Será possível?
            Sim. Conforme as justiças dos homens têm direitos aqueles que são os primeiros, os que mais trabalham, os que são melhores, enfim... Jesus, porém, nas suas parábolas, coloca os últimos como primeiros; os primeiros como os últimos; os maus como os reconciliados; os bons como os não justificados. Chama as multidões de miseráveis de toda sorte de “benditos de meu Pai”. Isso não pode ser justo! O nosso mundo, com suas leis e seus julgamentos já deu a sentença a esses miseráveis: são os “marginais”, os “vagabundos”, os “viciados”, os “bandidos”, os “ignorantes”, os “sem lei quem tiram o brilho das cidades maravilhosas”.
            Não dá para não se surpreender, pois Jesus revela que a Justiça de Deus é diversa da justiça dos homens. E, que seus discípulos necessitam descobrir esta Justiça; conhecê-la, vivê-la e, assim ir transformando o mundo para que o reino de Deus se torne realidade em todos e para todos.

As leis são boas
            Na verdade Jesus não ensina a desobedecer às leis, ele vai além das leis. As leis existem para ajudar no discernimento do que é bom e no que é mau. As leis devem ser observadas por todos, ainda mais por quem descobriu em Jesus o “Servo Obediente” em tudo. Todavia, não adianta observar as leis por observá-las. É necessário que se descubra o espírito da lei. Jesus que sempre estava sob a ação do Espírito de Deus, observava a lei no seu sentido mais profundo. Toda e qualquer lei é para garantir o bem das pessoas. Quando estão em jogo as pessoas, verdadeiros sujeitos de relação, tudo deve concorrer para que sejam protegidas, que sejam perdoadas e que possam viver; a começar por aqueles que mais precisam. Aí o critério não é o de quem mais fez, mas o de quem é mais carente. O que interessa não é o que o indivíduo tem, mas o que ele é.
            Certamente, desta surpresa de Jesus temos muito que aprender. Não é fácil dar o lugar para o outro, e é bem mais difícil recompensar ao que não nos fez nada de bom. Mas é por aí que anda Jesus e a sua Boa Notícia. Seus amigos são convidados a se deixarem surpreender e, por sua vez, surpreenderem o mundo que possui tantas leis justas, mesmo que assim se torne “sinal de contradição”.
            Quais são os critérios de justiça que nos orientam? Como nos sentimos diante da Justiça de Deus, ensinada por Jesus de Nazaré? Pensemos.
Pe. Mário Fernando Glaab

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quarta-feira, 17 de junho de 2015

Os médicos: sacerdotes do corpo

(Aos nossos amigos médicos: homenagem e gratidão)
                Obs.: Não costumo copiar artigos de outros, mas achei muito oportuno transcrever este, pois nunca teria condições para desenvolver tão magnificamente a o valor e a importância da medicina e dos médicos. Pe. Mário Glaab.

DEUS E OS MÉDICOS
Por Pe. Zezinho, SCJ
            É doutrina católica afirmar que Deus é perfeito. Somos combatidos por isso, mas é isso o que ensinamos. Ele sabe o que faz e porque faz o que faz. Criou tudo o que existe e tem lá suas razões para permitir a doença n mundo e o sofrimento humano. Não sabemos explicar por que, mas Deus, que poderia erradicar qualquer mal, em alguns casos liberta dele ou impede que aconteça; noutros, permite que a doença aconteça e siga seu curso. O Deus que é perfeito, não criou tudo perfeito. Eu gostaria de explicar a dor e a morte, mas estou longe de qualquer explicação nascida de minha inteligência. Simplesmente, não sei explicar a dor nem a cruz. Sei crer, mas não discursar diante de uma mãe que perdeu sua menina de nove anos seqüestrada por um bandido de dezessete anos.
            Deus não criou tudo perfeito, mas deu ao ser humano a capacidade de saber o porquê de muitas coisas e de continuar querendo saber mais. Deu ciências ao ser humano. Uma delas é a ciência do médico. O médico não raciocina sobre o porquê de seu paciente ter contraído uma doença terminal. Ele usa seu raciocínio para buscar soluções lendo as potentes máquinas modernas e tratando de achar os fármacos que poderiam dar certo, se injetados naquele corpo. Médico faz filosofia e teologia, mas primeiro faz medicina. Esta é sua arma. E vai ao corpo enfermo ou ao corpo sarado, mas agora, com uma séria disfunção.
            Dizem que a medicina como ciência nasceu com Hipócrates e que o famoso juramento dos médicos, o juramento de Hipócrates, é nada mais que uma adaptação do texto de amor à vida que seu pai, sacerdote do deus Esculápio lhe teria ensinado. Verdade ou não, a medicina tem muito a ver com a religião e esta com a medicina. O médico ensina a viver, conserta atitudes, melhora a qualidade de vida, devolve esperança, corta e cura, prolonga a vida, intervém e muda um corpo, mostra os riscos e por tudo o que aprendeu tornou-se um doutor, alguém que sabe e ensina. Das ciências, as mais bonitas são as que ensinam a viver. A religião pode ser uma delas, a medicina também.
            Falo isso como padre que aprendeu e aprende com os médicos. Somos irmãos de luta. Corpo e alma necessitam de cuidados. Eles me ensinaram a cuidar de minha voz, de meus ouvidos, de meus dentes, do pulmão, do estômago, da pele, dos rins e dos pés. Fui sentindo dores e eles foram me ensinando a curá-las e a evitá-las. De todos ouvi uma palavra amiga e paciente de quem conhece o corpo humano, mas sabe dos limites e do mistério de cada corpo. Conheço inúmeros médicos por ter ido a eles ou levado pacientes a eles e devo dizer que nunca conheci um que não fosse humilde. Como em toda classe pode haver algum orgulhoso, tolo e interesseiro como em qualquer profissão, mas tive a sorte de conhecer os melhores.
            Deus tem muitos filhos que o ajudam a melhorar sua obra. Os médicos são certamente do grupo de elite. Falo como religioso, alguns médicos são mais sacerdotes que os que deveriam cuidar das coisas da alma. Infelizmente para os sacerdotes agressivos, insensíveis e insensatos. Cuidam melhor do que muitos pregadores que, de tanto fanatismo, chegam a provocar enfermidades. E há os vaidosos que negam que outro ser humano ou outra ciência possa curar alguém. Se eles acham que podem em nome de Deus, por a mão sobre uma cabeça, então, os médicos também podem, prescrevendo um remédio ou pondo um bisturi em uma barriga, abrindo-a e depois, fechando-a. Aquilo também pode ser milagre e, muitas vezes, é.
            Respeitemos os médicos e sua ciência, se nós, religiosos, quisermos que respeitem a nossa. Então, na hora em que a alma lhes doer, eles nos procurarão, e quando nosso corpo ou nossa lama doerem, poderemos procurá-los sem susto. Eles também conseguem com as mãos o que achamos que conseguimos com os joelhos ou com nossos rituais. Erram e acertam como nós. É crer um no outro, porque o dono da vida é Deus e é ele quem dá os dons e faz os convites. Ser médico é coisa séria, difícil, mas extraordinariamente bonita. Reverencio, inclusive, os médicos ateus. Fazem mais pelo povo do que muitos pregadores cheios de unção, mas sem cuidado com os mais frágeis. Deus os ama de um modo assaz especial. Foram chamados a ensinar a viver. E ensinam!

(Revista Paróquias e Casas Religiosas, nº 54, p. 40)

terça-feira, 9 de junho de 2015

Hunsrickisch Schpessje

Dat Weib wo sich de Himmel koafe wollt
Dat fromme Weib wollt doch sicha sin dass es in de Himmel käme tät, wense mo sterwe misst. Hot es awe net gans genau gewust ob das klappe sollt. Do hotze mo en Idäe griet: is bei de Pfarra gang un gesoot: “Herr Pfarra, wenn eich de Pfarrei 10.000,00 Reals opfre, is dann de Himmel garantiert fa mich?” De Pfarra hot mo son bische geluat; dann horra enst aus parlamentiert: “Ich kann das jo oach net so sicha garantiere, awa in de Zweiwlerei is es am beste wenn ihr gute Fraa es gleich opfre tät. So lang dorum mache kann noch schlechte Gedanke in de Kopp brenge”.
Naja, en gutes Root is imma viel Wert, awa manchmol komme ach schlechte Gedanke in dem Pfarra sein Kopp! Wie es aussiet hat es dem Pfarra gefall, un ea wollt net lang dorum bumle.
Gloabsmário

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domingo, 31 de maio de 2015

Jesus surpreende!

QUEM É ESTE JESUS? (3)
            Ao se afirmar que Jesus é o grande mestre da humanidade, muitas vezes se passa a idéia de que é alguém muito esperto. Pode até ser. Mas é bom verificar o que se entende por “esperto”. Se for no sentido de saber levar vantagem, com certeza não pode ser aplicado a ele. Ele, na verdade, como já vimos em outras coisas, surpreende por não ser esperto ou politiqueiro, manipulador ou enrolador. Ele deixa as coisas claras e diz a verdade; doa a quem doer. Mesmo se isso lhe custa a popularidade ou a fama.

Jesus não sabe atrair discípulos!
            Jesus não sabe atrair discípulos. Mas como, se ele é o Mestre? De fato, ele é o Mestre, mas sua maestria deixa claro que o discípulo deve saber das coisas e optar livremente no seguimento dele, na condição de discípulo. Ele, na verdade, não atrai ninguém prometendo sucesso e prosperidade como recompensa. Não esconde que o convertido, ou seu seguidor, necessita negar-se a si mesmo e tomar sobre si a cruz. E ainda mais, diz que o discípulo não é maior que o mestre. Por ser mestre que toma o caminho de Jerusalém; o caminho da rejeição, da perseguição e da condenação e da cruz.
            Foi surpresa para aqueles pobres de seu tempo; surpresa ainda maior para nós hoje. Se os desvalidos do tempo de Jesus esperavam um pouco de importância junto ao homem de Nazaré, muito mais o homem de hoje sonha com riquezas, poder e prazer em reconhecimento de sua fé. Jesus que fala desse jeito, como, aliás, sempre foi proclamado pelo evangelho, desnorteia a muitos. Ele atrai os pobres quando se faz presente a eles sendo um com eles. Porém, quando insiste em mostrar que estar com os pobres suscita incompreensão e perseguição, os próprios pobres se escandalizam. Eles sonham com outra realidade. Aquele pregador ambulante, no entanto, deixa claro que não se pode estar com os que sofrem e buscar o bem dos últimos, sem provocar a rejeição e a hostilidade daqueles aos quais não interessa nenhuma mudança. É impossível esta com os crucificados e não ver-se um dia crucificado.

Convoca para um projeto maior
            Jesus surpreende por não resolver os problemas imediatos de seus seguidores. Mais, por alertá-los dos entraves que irão encontrar. Mas mesmo assim, os convoca para um projeto maior. Ele quer que o ajudem a combater todo tipo de mal que aflige a humanidade. Se isso custar, a questão é outra: confiança em Deus, que o bem vai vencer as investidas do mal. A Igreja, desde o início, se escandalizou com a idéia do Cristo sofredor – do Cristo que convida a carregar a cruz -, a reação de Pedro o mostra. Contudo, o Reino de Deus é isto: colocar-se a serviço de um mundo mais humano. A cruz é apenas o sofrimento que nos virá como conseqüência de assumir o compromisso do Reino. O destino doloroso que teremos de compartilhar com Cristo, se seguirmos realmente seus passos. Não se deve confundir o “carregar a cruz” com posturas doentias de buscar falsas mortificações.
            Portanto, Jesus surpreende por não saber atrair discípulos com palavras bonitas e promessas alvissareiras; surpreende mais ainda por contar com os que lhe dão assentimento para um projeto bem maior: colaborar com a implantação do Reino de Deus, ajudando a combater toda forma de mal, suas conseqüências e pecados. Mesmo que isto custe a própria vida, pois, quem perde a sua vida pela causa do Reino encontrará a verdadeira Vida.
            Este é Jesus – mais uma surpresa para nós.
Pe. Mário F. Glaab

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sábado, 16 de maio de 2015

Hunsrickisch Spessje

DER SCHLAUE VERKOAFE UM DAT GEITZICHE WEIB.

In unsa Pikot hon doch die Leit all dat Weib wo so geitzich wo gekent, dat wo Rosa gehees hot. Jeder soat imma vom dem Weib griet keine etwas; sie gebbt nicks un kaaft aach nicks. Alsemol is so’n Verkoafe in die Gegent kum. Der hot so Allehand in sei Koffe gehot un wo aach orich schlau. Er hat sich voagenomm Jeder was verkoafe, aach der Rosa.
En scheene Toach kumt er in das Pikot. Klopt bei dem Weib an un hot aach schun gleich auspossiert: “Eich hon vun Alles, sowie Nodle, Beschte, Zwenn, Kemscha, Spiechelcha un so weita. Ihja wird doch sicha waus brauche!” Die alt Rosa hat awa schun gleich geprumt: “Nee. Das hon eich alles, un eich brauch gonicks. Geh nochmol fot!” Dat woa awa doch noch net genuch fa de Verkoafe, er hat gans in Friede erkleart: “Liebe Frau, wenn ihr Alles hat, dann rote eich dass sie en Gebetbuch koafe fa Gott se danke das ihne Alles so gut geht, un nicks fehlt. Guck mol do, das kost blos hunnet Reals!”
Was dann passiert is das weis eich net, awe vieleicht hat der schlaue Verkoafe doch mol dem geitziche Weib an’s Hetz gegriff. Die lei hon jo all en Hetz, ma muss blos wisse wie man drohn komme kann.
Gloabmário

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sexta-feira, 8 de maio de 2015

Outra surpresa de Jesus de Nazaré.

QUEM É ESTE JESUS?! (2)

            Apontamos uma primeira surpresa em Jesus, conforme os evangelhos. Surpresa para quem sempre esteve acostumado com um Jesus que resolve todos os problemas das pessoas que o buscam. Um Jesus diferente daquele que é conhecido como o Cristo Rei, aquele que manda e desmanda; que separa os bons dos maus, e coloca tudo no seu devido lugar. Mais ainda, aquele que está pronto para castigar os maus, os pecadores e todos aqueles que não rezam direitinho.
            A primeira surpresa era a de que Jesus não tem boa memória! Explico: quando perdoa os pecadores, ele se esquece dos pecados. Isso, dizíamos, vai contra as regras da prudência, da malícia e da esperteza. Como ele pode escolhe indivíduos que erraram em coisas sérias para fazer parte de seu grupo? Mas Jesus surpreende a todos com suas palavras e, principalmente, com suas atitudes. Ele perdoa, esquece e confia.
           
Outra surpresa
            Aprendemos desde crianças que Jesus chamou os seus discípulos, instruiu-os, deu-lhes o Espírito Santo, e mandou-os para evangelizar o mundo todo. E assim, ele fundou a Igreja. Esta por sua vez, para poder dar conta do recado, precisa estar muito bem organizada com sua hierarquia, doutrina, moral, e, como suporte para tudo isso, com uma administração financeira competente. O dinheiro pode ser considerado “esterco do diabo”, mas é importante e necessário para que a máquina funcione. Esta é a concepção que a maioria dos cristãos tem e que nem questionam. É tranqüilo.
            Jesus, no entanto, surpreende! Ele não é bom administrador: por incrível que pode parecer para um competente administrador, Jesus paga o mesmo salário a quem trabalha uma hora apenas e a quem passa suando o dia inteiro! E, pior ainda, dá prioridade a quem pouco trabalhou; dá-lhe o que de fato não mereceu. Seu critério é outro, não se orienta pela produção, mas pela necessidade.
            Certamente ninguém toleraria em sua empresa, em sua paróquia, ou em qualquer outra atividade uma atitude assim. Pagar a quem não trabalhou, e mais, a quem não produziu lucros, isso é no mínimo, não ter visão das coisas.
            Jesus, no entanto, o faz. Ele não está preocupado em acumular cada vez mais. Ele, na sua confiança sem limites no Pai, ao distribuir entre todos os bens que os pobres colocam ao seu dispor, ensina que Deus fez tudo para todos. Deus é o Pai generoso que ama gratuitamente e quer que todos tenham acesso aos bens que colocou sobre o mundo. Isso se liga à primeira surpresa: perdoa os pecados e deles se esquece.

O nosso grande pecado
            Diante dessa surpresa devemos nos questionar sobre o perigo da ganância. Não é difícil entender que sob a desculpa de sermos previdentes escondemos o grande pecado da ganância. Jesus, ao ver a multidão faminta, não tem dúvida: é preciso fazer alguma coisa para eles. Assim era Jesus.
            E Jesus, muito ingenuamente, manda que os discípulos dêem pão aos famintos. Mas quem eram os discípulos? Todos pobres! Todavia, Jesus sabia muito bem que era preciso fazer algo mais, pois os que têm dinheiro nunca irão resolver o problema da fome no mundo. Jesus ajuda essa gente a entender que é preciso encontrar outra saída. Quando alguém passa fome não é certo guardar para si, mesmo que o pão seja seu e pouco! Lembra Deus, e mostra que é impossível crer que ele é Pai de todos, se ao mesmo tempo se deixa os irmãos e irmãs famintos sem se preocupar com eles. O alimento que o Pai dá, ele o dá para ser compartilhado entre todos. Esquecer isso é o nosso maior pecado.
            E mais: nós que nos orgulhamos por ter ao nosso dispor a Eucaristia – Pão do céu, alimento dos fortes -, mas não sabemos partilhar o alimento dos fracos, somos os mais dignos de compaixão. Nessa questão os primeiros cristãos nos dão testemunho valioso. Eles, ao compartilhar a Eucaristia, sentiam-se alimentados por Cristo ressuscitado, porém ao mesmo tempo lembravam o gesto de Jesus ao dar de comer às multidões e repartiam seus bens com os mais necessitados. Sentiam-se irmãos.
            Em nossa preocupação legalista perturba-nos alguma deficiência no rito das celebrações – se o celebrante pronunciou as palavras direito; se a hóstia deve ser recebida na mão ou na boca, de pé ou de joelhos; mas por outro lado, preocupa-nos bem menos saber se a celebração é sinal de verdadeira fraternidade, nem impulso para buscá-la.
            Deixemo-nos surpreender por Jesus, sempre de novo. Caso ainda não tomamos consciência da implicação que o Evangelho e a Eucaristia têm no relacionamento com os necessitados de todos os tipos, tenhamos coragem para crer que Jesus propõe um novo caminho, outra solução. Ele é o enviado do Pai para alimentar o povo faminto, mas ele nos convida também a trazer o que cada um pode ter na sua pobreza para alimentar-nos a todos.
Pe. Mário Fernando Glaab

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sábado, 25 de abril de 2015

Jesus de Nazaré surpreende!

QUEM É ESTE JESUS?!
            Para nós cristãos é tão corriqueiro falar de Jesus como aquele que é o nosso Deus, e por isso tem poder. Ele pode resolver todos os nossos problemas, ele é a solução para tudo. Bem mais difícil é uma aproximação de Jesus no que ele foi e continua sendo para a humanidade, uma vez que é Deus que tem poder. Quem é este Jesus e como ele exerce o poder de Deus em nosso favor? É ele de fato aquele que nós imaginamos com nossas elaborações lógicas, ou ele nos surpreende quando começamos a conhecê-lo e experimentá-lo mais de perto?
            Não há como negar, fomos todos “forçados” a criar uma imagem de Jesus. Esta imagem geralmente é fruto de devoções que nos foram transmitidas por pessoas piedosas, mas com pouca formação religiosa e teológica; ou ainda de nossas concepções lógicas que fomos “construindo” no dia a dia de nossa existência. Nessa imagem, que a maioria dos fiéis tem de Jesus, reflete-se pouco daquilo que o Novo Testamento revela sobre ele. Os ensinamentos oficiais da Igreja também não contam muito. A catequese ficou restrita a algumas fórmulas e atividades que ficaram no passado e que não atingiram o profundo da fé em uma pessoa, a pessoa de Jesus de Nazaré.

Jesus conhece e quer ser conhecido, fala e quer ser ouvido
            Um primeiro aspecto que merece ser considerado é que Jesus, como é apresentado pelos evangelhos, é alguém que conhece seus amigos, e que espera que eles o conheçam também (cf. Jo 10,14). Este conhecimento é muito mais do que ter alguma ideia ou imagem. É comunhão de vida.
            Jesus de Nazaré é alguém que veio para estar com as pessoas lá onde elas estão. Não excluiu ninguém desse relacionamento e, justamente por isso, ele foi onde estavam os últimos da sociedade: os pobres, os marginalizados, os excluídos da religião, os pecadores, os doentes.... Ele conheceu o ser humano naquilo que lhe é próprio, seu sofrimento, sua limitação, seu anseio, sua alegria, sua fé, sua confiança. Porém, ao conhecer o ser humano em sua profundidade, convida-o igualmente a conhecer, por ele e nele, o próprio Deus. Tudo o que diz e o que faz é para que as pessoas conheçam a Deus, sua bondade, sua misericórdia, enfim, seu amor infinito. Portanto, quer se fazer conhecido para que as pessoas consigam conhecer Deus.
            Jesus é a Palavra de Deus em pessoa. Ele fala, não somente com palavras, mas em tudo o que faz. Ele vai revelando Deus. Contudo, sua palavra não é palavra lançada no vazio. Ela é palavra direcionada a pessoas concretas. É início de diálogo. Exige, ou espera, resposta. Ouvir, então, a palavra de Jesus implica em responder. O interlocutor, ao responder positivamente à palavra de Jesus, nada pode dizer, a não ser “aqui estou”. Isto quer dizer entrar no caminho do seguimento, tornar-se discípulo.
            O discipulado, na concepção neotestamentária, consiste em aprender fazendo. O discípulo ouve e observa o mestre e vai seguindo, imitando. Se Jesus estava comprometido com todos, especialmente com os excluídos, também seu seguidor – seu ouvinte – irá se comprometendo passo por passo com os excluídos. Hoje isso será possível se o ouvinte de Jesus está perto das inúmeras vítimas da sociedade consumista que devora seus consumidores; quando se compromete com eles oferecendo-lhes ânimo, coragem, fé, liberdade e vida. Comprometer-se hoje é muito mais que dar algo, é mostrar o caminho e ajudar as pessoas a seguir por esse caminho que liberta e que dá vida plena.

Surpresa!
            Uma vez cientes que a imagem que temos de Jesus pode ser muito limitada, queremos conhecê-lo e ouvi-lo mais. À medida em que se fazemos isso, podemos ter surpresas. Ele é bem diferente do que “deveria” ser.
            Uma primeira surpresa: Ao se seguir o caminho do “conhecer” e do “ouvir” Jesus, podemos nos encontrar com alguém que escapa das leis ordinárias das pessoas que julgamos normais. Analisando bem, parece que Jesus não tem memória! E, memória sempre foi vista como uma grande qualidade para as pessoas avançarem e progredirem; é imprescindível para os espertos e prudentes. Mas vejam: Jesus não é tão esperto pois ele, quando perdoa os pecados, esquece dos mesmos! Ele não deveria dizer “está bem: eu lhe perdoo, mas cuidado! Estou de olho em você!”, e se precaver para que esses que erraram não assumissem postos-chave no seu grupo? Contudo, ele convida as pessoas sem se importar com os pecados que cometeram no passado. Isso é falta de prudência, não mostra esperteza, e muito menos malícia, que é tão importante em uma sociedade que se alimenta do “quem pode mais chora mais ainda”.
            Jesus de Nazaré, ao revelar o Pai para os pecadores, mostra que Deus é diferente do que tudo o que nós podemos imaginar dele. E ele, Jesus, retrata este Pai. Por isso também ele nos surpreende; e, como?!

Libertar-se de falsas imagens
            O primeiro passo para que sejamos surpreendidos é libertar-se de falsas imagens de Deus e de Jesus. Isto vale também para a Igreja no seu todo, ou para a Igreja que está presente em nossas comunidades. É necessário renunciar a doutrinas e a conceitos que nos foram incutidos e que assumimos sem pensar. Pior ainda, assumimos porque gostamos que assim fossem. Quem quer conhecer Jesus de Nazaré e o Deus que ele anuncia deve renunciar a muitas coisas que carrega e que pesam, como por exemplo suas lógicas do que é bom e do que é mau; quem merece recompensa e quem merece castigo; quem é abençoado e quem é amaldiçoado. Precisa deixar suas certeza, seus méritos e seus medos para livremente e humildemente aproximar-se dele, pois tudo isso impede conhecer e ouvir o Divino Mestre.
            Evangelho – Boa notícia – consiste exatamente nisso: Deus que nos surpreende positivamente. O evangelho de Jesus Cristo é fonte inesgotável de vida e de compaixão para todos, é motivo de alegria e de mudança, uma vez que oferece sugestões para impulsionar a renovação de cada um e das comunidades cristãs, porém somente pode mudar de caminho aquele que deixa o caminho até então percorrido. Deixemos que ele nos surpreenda. Estejamos livres para que cada encontro seja novo.
            Caso tivermos coragem de nos surpreender com Jesus de Nazaré, talvez possamos oferecer com mais eficácia a notícia de que Deus ama a todos, também aos que vivem sem caminhos para Deus, perdidos no labirinto de uma vida desconcertada ou instalados num nível de existência em que é difícil abrir-se ao mistério último da vida. Jesus poderá ser para eles a melhor notícia, não uma ideia abstrata que já não diz mais nada para o homem e para o mundo de hoje. Atualizemo-nos.
Pe. Mário Fernando Glaab

(Pretendo apresentar outras surpresas sobre Jesus de Nazaré em outras oportunidades)