quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Reflexão quaresmal


QUARESMA: TEMPO DE RENOVAÇÃO

 

            O Papa Francisco, preocupado com a Cúria romana, que, segundo ele, apresenta algumas “doenças” e que necessita de renovação, elaborou um “catálogo de doenças” que podem atingir cúrias, e talvez também as secretarias ou até as comunidades. Podemos usar as reflexões para uma meditação sobre a necessidade que, como povo de Deus nós temos, de nos renovarmos sempre, principalmente no período quaresmal. Aliás, Francisco lembra que qualquer cúria, entendendo também secretarias, organizações estruturais, ou qualquer corpo organizado, necessita cotidianamente se renovar, ser mais viva, mais saudável, mais harmoniosa e mais unida em si mesma e com Cristo; precisa ser um pequeno modelo de Igreja. Trazendo este ensinamento para as nossas comunidades que estão no processo de renovação nesta quaresma, vamos tomar um ponto citado pelo Papa que é sinal de doença: o “sentir-se imortal ou imune”.

            Existe nas cúrias, nas secretarias ou mesmo nos líderes comunitários, nos movimentos e organizações o perigo de se julgar “eterno”. Quem sofre dessa doença pensa que está tudo bem, do jeito como está. Nunca faz uma avaliação e, menos ainda, sabe se autocriticar. As críticas que podem vir de fora não são aceitas. Erguem-se verdadeiros muros de proteção para que nada possa atingir o seu sossego. Atualizações são consideradas desnecessárias. Por quê? – se tudo vai bem! Os que controlam a situação se acham superiores a todos, pois os demais não sabem das coisas; são todos de fora. É doença grave, uma vez que é insensatez e orgulho. O evangelho retrata tal questão com a história do rico que pensava poder viver sem mais se preocupar com nada (cf. Lc 12,13-21). O orgulho, por sua vez, não aceita colaboração, pois os outros são todos inferiores e incapazes.

            A partir da Palavra de Deus, e agora concretamente pela Campanha da Fraternidade, a Igreja é convocada a se renovar para estar, como Jesus, a serviço da humanidade. Nesta quaresma a Campanha da Fraternidade lembra, ou melhor, quer relembrar, que se a Igreja não está para servir, então ela não é de Cristo! Tratando da questão Igreja e Sociedade, a Campanha da Fraternidade leva a todos os seus membros o apela a se perguntarem seriamente sobre o sentido que dão a sua pertença à mesma. Basta ir à missa aos domingos, basta rezar, fazer alguma boa obra, receber os sacramentos costumeiramente, buscar intercessão dos santos ou o apoio espiritual nas diversas dificuldades da vida; é suficiente dar o dízimo e colaborar com as obras da Igreja? Dar respostas a essas perguntas é material para muita reflexão; ou, como se diz na boca do povo, “pano para muita manga”.

            Renovar-se, tendo Jesus de Nazaré como mestre a ser seguido, não quer dizer deixar estas coisas de lado; mas ter coragem de ir muito além. O Papa fala que o corpo vivo – Igreja – procura diariamente ser mais vivo. Jesus não se preocupou com a observância fiel da lei de seu tempo, mas buscava estar onde estava o povo. Lá, entre as multidões, ele se colocava junto dos mais necessitados, dos excluídos, dos sem vida, dos sem vez e sem voz. Mesmo sabendo que não podia resolver todas as graves “doenças” do povo, fez o que podia fazer. Não perdia nenhuma oportunidade para dizer a todos que Deus, que é Pai, ama a todos e quer que todos tenham vida, e vida plena. Para não ficar sozinho nesta obra imensa, já que as multidões se aglomeravam junto dele, convidava seus discípulos a se lançarem em seu seguimento. Segui-lo consistia em se converter: pensar como ele pensava, confiar como ele confiava, e agir como ele agia: servir como ele servia.

            Caso quisermos que a nossa “cúria”, a nossa comunidade, a nossa “pequena igreja” se renove nessa quaresma, quem sabe seja conveniente que nos voltemos sem medo para o Homem de Nazaré; que tenhamos um verdadeiro encontro com ele, que permaneçamos uma tarde e uma noite vigiando com ele. Depois, que aproveitemos todas as nossas organizações, toda a nossa piedade, todo o nosso entusiasmo, e também nossas qualidades pessoais e comunitárias para colocá-las a serviço. Mas, a serviço de quem? Da igreja que irá servir, não a si mesma, mas à humanidade. A Igreja, também conforme Francisco, há de estar “em saída” – deve sair de si mesma, da sacristia onde o mofo cheira a conservadorismo, a estagnação. No entanto, não é possível fazer isso – colocar-se ao serviço da Igreja e consequentemente à humanidade, caso não formos humildes: quem não se reconhece pecador e servo inútil pouco irá conseguir. O soberbo irá, de antemão, apresentar suas soluções, suas qualidades e projetos, que, com certeza, não irão somar para resolver os graves problemas dos mais sofridos, dos mais explorados, dos mais injustiçados e dos mais pobres.

            Portanto, renovemo-nos nesta quaresma a partir de Jesus Cristo, aquele que veio não para ser servido, mas para servir (cf. Mc 10,45); sejamos servidores de todos, a começar pelos menos favorecidos da sociedade, os pobres, os pecadores, os doentes, os injustiçados, os excluídos. Não nos preocupemos em “defender” o nosso grupo, a nossa “pequena Igreja”, mas em ser como o Cristo que se entrega pela salvação de todos, e, dessa maneira, daremos testemunho da verdadeira Igreja, a Igreja dos discípulos do Mestre Jesus de Nazaré que serve sempre e em toda a parte.

Boa Quaresma e boa Páscoa.

Pe. Mário F. Glaab

www.marioglaab.blogspot.com