quinta-feira, 5 de março de 2015

Páscoa: experiência de misericórdia divina

VIVER A PÁSCOA

            Se viver a quaresma é abrir-se à misericórdia divina, viver a páscoa é experimentar a misericórdia divina. A propósito, a Campanha da Fraternidade nos lembra que é no serviço que a vocação cristã se realiza. Jesus, o Filho do Homem, veio para servir e não para ser servido; esse serviço lhe custou a morte na cruz, mas o levou à ressurreição. Enquanto estava a serviço dos irmãos, podemos dizer que estava continuamente se abrindo à misericórdia do Pai: deixou que o Pai amasse misericordiosamente a nós por ele. Ao ressuscitar ele compartilha com os seus a misericórdia de Deus e lhes oferece a paz. Paz que é a sua, pois agora já é o Vencedor. A misericórdia do Pai o envolveu infinita e plenamente.
            O papa Francisco, na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho, diz: “A nossa tristeza infinita só se cura com um amor infinito” (265). Talvez seja difícil entender uma “tristeza infinita”, mas ela é própria do ser humano pecador. Todos nós, como criaturas, somos limitados, e em conseqüência das limitações, sujeitos a errar. Pecamos. Fechamo-nos ao amor de Deus, nosso Criador. Em nossa finitude somos vencidos pela tristeza. Quem poderá nos libertar? Quem poderá nos salvar? Somente um amor infinito. Além de tudo que se pode pensar, almejar ou realizar. E este amor infinito nos é apresentado pela vida, paixão e morte de Jesus Cristo. E, na quaresma somos convidados a percorrer este caminho com ele, abrindo-nos à misericórdia de Deus. No entanto, somente pela fé na Ressurreição daquele que foi crucificado, Jesus de Nazaré, é que podemos fazer a experiência desse amor infinito que é derramado sobre nós.

A pedagogia de Jesus vale para a Igreja
            Jesus, várias vezes durante sua vida mortal, convidou os discípulos a se abrirem ao amor de Deus sem reservas. Mas a dificuldade para crer com todo coração os deixou muito aquém dessa experiência. Ele, lavando os pés de seus amigos, deu-lhes o exemplo, mas eles ainda não podiam entender. Foi, porém, quando o Ressuscitado aparece no meio deles – confusos e medrosos -, ao invés de lhes censurar a covardia por terem-no abandonado na hora da perseguição, os saúda com o “A paz esteja convosco” (Jo 20,19), que os faz “experimentar” o amor infinito, que somente pode ser o amor de Deus. De agora em diante, também o ser humano pode participar responsavelmente do amor que cura a tristeza infinita do mundo pecador. É Páscoa de Jesus; é Páscoa dos cristãos.
            Como a Igreja a partir da Campanha da Fraternidade, vai experimentar o amor infinito de Deus? Somente quando se deixar renovar, quando assumir corajosamente que, como seu Mestre, ela precisa servir, pois não está neste mundo para ser servida. É justamente isso que o Papa Francisco nos diz quando insiste na “Igreja em saída”. Necessita-se urgentemente de conversão da mentalidade do “tirar proveito” de tudo. Também nos membros da Igreja existe esta tentação: acham que a sociedade deve servir à Igreja, quando é justamente o contrário. Infelizmente ainda há pessoas que sonham em se aproveitar de privilégios que adquirem ao “subir os degraus do altar”.
            Se no mundo, cada vez mais atacado pelo mal, pela corrupção, pela violência, pela pobreza, existem milhares de caídos, a Igreja deve se sentir cada vez mais desafiada para amar e servir a este mundo concreto. O seu serviço não pode ser em vista do proselitismo, mas gratuito. Aliás, como nos lembrava o Papa Bento XVI, “a Igreja não faz proselitismo. Ela cresce muito mais por ‘atração’: como Cristo ‘atrai todos a si’ com a força do seu amor (...), ela cumpre a sua obra conformando-se em espírito e concretamente com a caridade do seu Senhor” (Homilia de abertura da Conferência de Aparecida).

“Experimentar” também hoje
            Sendo assim, quem sabe a Igreja, a partir da experiência pascal, ajudada pelos apelos da Campanha da Fraternidade em servir à sociedade como seu Senhor serviu os discípulos, descubra novamente a ver as multidões que se debatem com as injustiças e com as desgraças do mundo globalizado “como ovelhas sem pastor”: pessoas sem guias para descobrir o caminho, sem profetas para ouvir a voz de Deus. Quem sabe, a Igreja tenha coragem para revisar diante do Senhor Ressuscitado a maneira de olhar para essas multidões que estão abandonando silenciosamente a Igreja, talvez porque não podem ouvir nela a verdadeira Boa Nova ou porque os discursos cheios de filosofia, de economia e outros tantos, já não lhe dizem mais nada. Quem sabe, a Igreja deixe de decepcionar pessoas simples que já não veem mais nela a compaixão de Jesus. Crentes que não sabem a quem recorrer nem que caminhos seguir para encontrar-se com um Deus mais humano do que aquele que percebem nos hierarcas. Quem sabe, na experiência pascal o rosto desta Igreja mudará, conforme o desejo de Cristo e do Papa Francisco. Ela aprenda a agir com mais compaixão; esquecer-se de seus próprios discursos e pôr-se a ouvir o sofrimento das pessoas. A Páscoa de Jesus – sua Paz - tem força para transformar nossos corações e renovar nossas comunidades. Voltemos à experiência pascal.
Pe. Mário F. Glaab

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