sábado, 26 de setembro de 2015

Pobres e Ricos.

BASTANTE POBRES MUITO POBRES E POUCOS RICOS MUITO RICOS

            Existe uma questão que não nos deixa tranquilos: quantos pobres são necessários para formar um rico? Muito estranho, talvez nunca tenhamos levado muito a sério esta pergunta. À primeira vista parece que é questão de soma: um mais um, mais um... Quantos pobres somados resultam em um rico? Mas talvez não seja assim. Então, olhando de outro ângulo dá para esclarecer melhor. Reformulemos assim: quantos pobres são necessários para manter um rico? Aí a coisa fica diferente. Somente assim fica claro que não é a soma dos pobres que resulta em ricos, mas que estes são indispensáveis para aqueles. Pois, quanto mais pobres juntos – somados -, tanto mais miseráveis aparecem! Os ricos ficam longe de numerosos pobres.
            Já se pode afirmar com toda certeza que há proporcionalidade inversa entre ricos e pobres, isto é, numerosos muito pobres para poucos muito ricos X mais ricos moderados para mais pobres remediados. Talvez o raciocínio não seja tão claro, mas veremos:
            A tradição cristã, baseada na Escritura, sempre teve em alta consideração o trabalho aos pobres, porém o trabalho com os pobres não gozava de tanta preocupação. Quando isso acontece, cai-se facilmente no vício de manter a situação: os poucos muito ricos cevando a multidão bem pobre, para que esta os sustente. É a concretização do que Jesus viu quando estava observando a multidão que colocava dinheiro no cofre das ofertas, e comentou o fato da pobre viúva que deu mais do que os ricos, apesar da quantia ser ínfima (cf. Mc 12,41-44). Os ricos deram do que lhes sobrava, a viúva deu tudo o que tinha. Isto era para o cofre do Templo, mas no dia-a-dia da sociedade, os ricos deixam algumas migalhas aos miseráveis para que permaneçam miseráveis, e que assim possam deles absorver (roubar) tudo. O pobre miserável dá tudo o que possui ao rico, principalmente a sua dignidade, sem nem mesmo sabê-lo. Sustenta e apóia seu próprio explorador. Agradece por qualquer migalha que cai da mesa do rico, e, como não tem com que pagar, faz-lhe elogios; e o voto de confiança lhe está garantido. Triste realidade!
            Jesus, no Evangelho de Lucas tem palavras duras para com os ricos: “Ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós que agora estais fartos, porque passareis fome! Ai de vós que agora estais rindo, porque ficareis de luto e chorareis! Ai de vós quando todos falarem bem de vós, pois era assim que seus antepassados tratavam os falsos profetas!” (Lc 6,24-26). São Tiago não fica atrás. Ele faz uma pergunta inquietante que deveria deixar todos com as orelhas em pé: “Acaso não são os ricos que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais?” (Tg 2,6). E continua: “Olhai (ricos): o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, e que vós deixastes de pagar, está gritando; o clamor dos trabalhadores chegou aos ouvidos do Senhor todo-poderoso” (Tg 5,4).
            Se mesmo assim ainda existem ricos que se enquadram nos textos citados (poder-se-ia citar inúmeros outros), precisa-se admitir que o “deus deles é diferente” que o Deus de Jesus de Nazaré. Deve ser o “deus dinheiro”, que não está entre os pobres, mas está onde dois ou mais ricos estão reunidos em seu nome. Este deus justifica toda a ação gananciosa para aumentar cada vez mais os bens, mesmo que isso sacrifique o pobre, sua vítima. Os mandamentos deste deus são outros. Somente os ricos os conhecem.

Ricos abençoados!
            Há quem pensa assim: os ricos são ricos porque seu esforço foi abençoado por Deus. É a teologia da prosperidade. Quanto mais bens alguém tem, tanto mais abençoado é! Existe, no entanto, jeito de conformar este raciocínio com a fé cristã?
            Na verdade, isto é impossível. O Deus da Bíblia é o “Deus dos pobres”, e negar isto seria desfigurar totalmente sua identidade. Qualquer religião que conceba Deus como defensor dos ricos, de seus privilégios e de suas riquezas não merece ser respeitada como religião, mas, por força de sua concepção, é superstição ou idolatria.
            Jesus de Nazaré fala da dificuldade, ou melhor, da impossibilidade, de o rico se salvar (cf. Mt 19,23-24), e chama felizes os pobres porque deles é o Reino de Deus (cf. Lc 6,20). Sem dúvida, a impossibilidade da salvação do rico não está por ter cometido algum pecado grave, mas por prestar culto a um deus falso – deus dinheiro -, é um idólatra. E enquanto idólatra quem o pode salvar? O dinheiro?
Como fica então a questão da bênção? É a felicidade dos pobres em ter o Reino de Deus. Deus está onde está o pobre, o sofredor, o injustiçado, o explorado, o excluído e o pecador. Esta é a verdadeira bênção. Não é a pobreza em si, mas Deus que vem ao encontro do pobre. Ou melhor, Deus que pode ser acolhido pelo pobre, uma vez que o pobre não adora o falso deus dos ricos. O pobre, como a viúva do Evangelho, não está preso a nada. A sua verdadeira riqueza é a vida dele mesmo e a vida dos demais pobres. São Lourenço, ao ser perguntado sobre as riquezas da Igreja, respondeu que a riqueza que a Igreja tem são os pobres. Estes somados, ou acumulados, nunca formam um único rico, pelo contrário, muitos pobres fortificam-se mutuamente na confiança em Deus, protetor dos pobres.
            Quando um pobre se une a outro pobre espera-se colaboração mútua; todavia, quando um rico procura outro rico, geralmente existem intenções espúrias que destroem e matam os mais fracos. Nos relacionamentos entre os pobres existe ajuda desinteressada, mas nos relacionamentos entre os ricos, mesmo que um apóie o outro, as intenções não são boas.

Nem riqueza nem pobreza
            Muito sábias as palavras do Livro dos Provérbios: “Não me dês pobreza nem riqueza, mas o pão de cada dia. Porque, se estou saciado, eu poderia esquecer-me de ti dizendo: e quem é este Deus? E, se estou passando necessidade, poderia roubar ou maldizer o Nome de meu Deus” (Pr 30,8-9). O ideal pensado por Deus é que todos os seus filhos e filhas tenham o suficiente para viverem dignamente. Deus não colocou os bens nesta terra para que uns se apossassem deles em detrimento dos outros, mas para que fossem bem administrados e compartilhados entre todos. Porém, enquanto alguns poucos têm demais, outros muitos têm de menos.
            Na visão da fé cristã, levam vantagem os pobres – os muitos que têm de menos – não porque não possuem, mas porque Deus ouve seus lamentos e vem ao seu encontro para socorrê-los. Os ricos – poucos que têm demais – são entregues à sua própria sorte porque o deus falso não os pode salvar, pois ele não é o Deus da Vida. Já os antigos Padres da Igreja costumavam dividir a humanidade em infra-humanos e inumanos: os infra-humanos são os pobres, vítimas dos inumanos; estes, por sua vez – os ricos -, são vítimas de sua própria riqueza. Deus vem em socorro dos infra-humanos, mas não pode socorrer os inumanos “porque onde estiver o teu tesouro, aí estará o teu coração” (Mt 6,21).
            Tenhamos coragem para renunciar ao supérfluo e não deixar que o nosso coração se prenda aos bens desta terra para não adorarmos o deus falso do dinheiro; e como pobres entre pobres, ajudemo-nos uns aos outros a ter vida mais justa, digna e fraterna. Deus com certeza estará conosco, abençoando-nos e dando-nos vida em abundância.
Pe. Mário Fernando Glaab

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