quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Deus aqui e agora

ONDE ESTÁ DEUS?

            Onde está Deus, este de quem esperamos ajuda; de quem falamos tanto? Onde está o seu trono, onde podemos ver o Céu? Estas são perguntas que fazemos; aliás, sempre foram feitas, e mais ainda hoje com as conquistas da ciência que penetra cada vez mais no universo, que parece ser infinito. Mas, Deus e o seu trono não é encontrado.
            Foram exatamente estas questões que Peter Seewald perguntou ao papa emérito Bento XVI no final de uma longa entrevista, pouco tempo faz. (Entrevista que virou livro: Bento XVI – O último testamento em suas próprias palavras, Editora Planeta). A resposta de Bento XVI – fruto de seu profundo conhecimento teológico, e mais, da longa experiência da vida de fé – é bastante interessante. Ele diz: “Não existe um lugar onde Ele (Deus) está sentado em seu trono. O próprio Deus é o lugar sobre todos os lugares. Quando o senhor olha para o mundo, não vê o céu, mas vê em todos os lugares as marcas de Deus. E onde o senhor vês seres humanos encontrará as marcas de Deus. O senhor vê o vício, mas também vê a bondade, o amor. São esses os lugares, aí é onde Deus está” (p.277). E o bom Papa Emérito continua a explicar que Deus não está “num lugar” ou “num momento”, mas que Ele é o criador de todos os lugares e de todos os tempos. Justamente por isso, Deus está fora dos espaços e dos tempos, mas estes são frutos da sua mão criadora. Ele é o Criador Infinito, a Realidade. O estar em um lugar é limitação. “O Criador, que é tudo, se estende por todos os tempos e não é Ele mesmo o tempo, mas o cria e sempre está presente” em todos os lugares.

Deus em Jesus
            Deus está em todos os lugares e em todos os tempos. Contudo, Ele se fez um de nós – ser humano – em Jesus de Nazaré. Um homem concreto, histórica e geograficamente localizado. Jesus nos revela, não mais um Deus distante e inacessível, mas um Deus pessoal que está no meio de nós. Ele mesmo, em todo o seu ser, nas palavras e nos feitos, é Deus-conosco. É nele que se pode e se deve encontrar com Deus.
            Mas Jesus realiza este encontro do humano com o divino de que modo? Sem dúvida, ele o oferece o encontro, porém da parte do homem necessita ser acolhido. Esta acolhida é adesão de fé. Quem se deixa tocar pelo Homem-Jesus-de-Nazaré em sua concretude histórica e geográfica, experiencia seu amor incondicional defronte a seus pecados, este pode dizer “Deus está aqui agora!”. Este “toque”, no entanto, não se restringe aos homens que viveram na Palestina no século I de nossa era. Jesus, o Deus Encarnado, assumiu todos os seres humanos em todos os tempos e em todos os lugares, como toda a criação. Isso quer dizer que Ele se faz presente em toda a natureza, mas de modo especial nos pequenos e humildes, seus irmãos e irmãs pobres e doentes. É neles, estejam onde estiverem, que Deus continua a se fazer humano para se encontrar com os humanos. Lá Ele toca a humanidade sempre de novo. Mas somente os que se deixam tocar com fé por esta manifestação de amor são capazes de reconhecê-lo e comungar com Ele.

Deus pessoal em comunhão com pessoas
            A teologia e a catequese precisam ajudar o homem de hoje a se libertar de muitos conceitos ultrapassados, que a cultura científica não aceita mais. É necessário mudar a linguagem e os esquemas conceituais, que já não são compreendidos, para uma linguagem e tradução mais atualizadas, que possam ajudar o homem a compreender hoje que Deus não deve ser procurado em “um lugar” ou em “um tempo” determinados. Deus, que é Pessoa, está com cada pessoa em qualquer lugar e em qualquer tempo.
            Assim como para nós, seres humanos pessoais, o espaço e o tempo não são limites intransponíveis, pois nós os transcendemos; assim o Deus-Pessoa ultrapassa todo espaço e todo o tempo, uma vez que Ele sustém a tudo. Nós não estamos apenas em nosso corpo aqui e agora, mas vivemos uma amplidão, isto é possível, pois espaço e o tempo estão ao nosso dispor. Nossos relacionamentos, tanto amorosos quanto odiosos, vão além do que está aqui e é agora; podemos estar e influenciar em outro lugar e aqui ao mesmo tempo, assim como hoje e no futuro. Claro que sempre sob a comunhão ou não-comunhão com Deus que é Pessoa por excelência. Ele, Deus, é Pessoa, e não podemos fixá-lo em uma localidade física ou momento histórico, já que sua personalidade abrange todos os lugares e todos os tempos.
            Concluindo, nós não podemos e nem devemos fixar Deus e as pessoas a espaços e a tempos. Deus e as pessoas vão além deles. Deus, como Criador, sustém todos os lugares e todos os tempos; e os seres humanos, pessoas na Pessoa, estão acima das limitações de espaço e de tempo. Elas, na sua comunhão com Deus, trazem em si, no aqui e no agora, o próprio ser de Deus. Esta comunhão se atualiza em toda plenitude em Jesus de Nazaré e, na vida dos seres humanos que se abrem ao seu projeto. Lá, aqui e agora, está Deus! O seu trono está no coração e na história de cada ser humano que o deixa entrar e agir, assim como na natureza que Deus mantém na existência para o bem homem.
Pe. Mário Fernando Glaab

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Spessje

DAT FRITZJE AUS DE SCHUL

Das is doch mo traurich: dat Fritzje hot doch imme was fa sei Mamma se ergane. Die Toche kummt ea vun de Schul un saad: “Mammi, die letz Wuch hat die Lehrin de August heem geschickt weil de sich net richtich gewesch hot – de wo noch treckich am Hals”. “Oje, – antwat die Mamma – un hat dat was genutzt?” “Sicha, - soad dat Fritzje – heit wore jo schunn siewe Buwe um Medje wo sich net gewasch harre! Moie, will ich mo siehn ep es fa mich oach klappt”. Dunnawettekeil, noch mol! Da is doch mo schlimm mit de Kurizzadde wenn die die Mamma un die Lehrin kwehle wolle. Die misse mo Knut grien; awa wea machts? Die Mamma griet’se net, un de Papa is doch imma am schloofe wenn ea net in de Plantosch is.

Glaabsmario.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Hunsrikisch Geschichtje

JAKOBUS MAJOR

Fria is doch mo passiat dat mo so en Kolonist von unse deitsch-brasilionische Kolonie im die gross Stadt kum is. Dat wo jo doch imma en Freit wen Jimand die Gelechenheit hot un kunt mo raus, bisje unna die Leit.
Um dat wo so: No dem ea sei Geschefte abgemach hot, do horra mo gedenkt jetz kent ea ach mo die Kerich besuche gehen. Oje, so en gross un schen Kerich hot ma jo gonet im Land gekent. Dan mo hin um rin. Alles mo boguckt un gestaunt: “Was ma do net Alles schenes sien kan!” Bisje gebet, un die Runde is weita gang. Dan uff emol hot de Baua mo die Apostelstatue oangeguckt. Dat wore werklich schene Figure. Bei Jedem hat de Nome do gestan: Petrus, Andreas um so weita. Awa uff emol is doch mo was komisches uffgefall, un ea hot ach gleich mo de Mann wo do gestan hot um uffgepast, gefroht: “Na, soch doch mo: woa dann de Jakobus (Tiago) en  Soldot? Das wuscht ich doch noch net”. “Ja warum meint ihr das?”, antwatet de Man. “Ei, do steht doch ‘Jakobus Major’”.
(Jakobus Major heist uff Latain so viel wie in brasilianisch “Tiago Maior”; awa dat wusst halt unsa orme Baue net!).

Glaabsmário.

sábado, 4 de novembro de 2017

Natal Cristão

NATAL – O VERBO SE FEZ CARNE

            Todos os anos, ao se aproximar a solenidade do Natal do Senhor, ressoa em nossos ouvidos o que o evangelista João escreveu no prólogo de seu evangelho: “E o Verbo se fez carne e veio morar entre nós” (1,14). Esta afirmação da fé cristã é o motivo de toda celebração natalina. Se assim não for, o que se comemora não é Natal cristão. Pode ser qualquer outra coisa, menos o que os cristãos celebram nesta festa.

Verbo de Deus
            Verbo (Palavra) de Deus é, conforme o mesmo evangelista, Deus mesmo (Jo 1,1). Poderíamos dizer, em palavras mais acessíveis para nós que não somos especialistas em teologia bíblica, que o Verbo é a comunicação do próprio Deus – Ele que vem como o Deus-Amor. Não se trata de um “aviso” ou de uma notícia que Deus manda através de alguém; mas dEle mesmo. A Comunicação é Deus em pessoa.
            Estamos aqui no mistério da Trindade, um Deus em três Pessoas. Mas, ao professar que o Verbo se fez carne, crê-se na entrada deste mistério na história limitada das criaturas. A Eternidade tocando o tempo; melhor ainda, o Eterno entrando no tempo, para fazer história com o ser humano que, com as criaturas, caminha na direção de uma meta que lhe foi proposta pelo Criador.
            O Verbo de Deus é, portanto, o mistério do próprio Deus. É este Deus que habita em luz inacessível, e que justamente por isso, só pode ser vislumbrado pela fé. Aliás, todos os povos de todos os tempos sempre estão à busca deste Deus. É o que todas as religiões fazem. As religiões almejam “religar” as pessoas (também as coisas) a Deus – estabelecer contato com Ele. Cada uma o faz como “descobriu” ser o melhor caminho. Daí as inúmeras doutrinas e práticas religiosas que, quando seguidas por pessoas de boa vontade, levam a Deus.
            Nós cristãos, ao falar do Verbo de Deus já estamos nos apoiando na revelação de que Deus é comunicação. Ele se comunica no mistério trinitário, mas também se comunica para suas criaturas. E “Verbo” foi o termo que o evangelista encontrou para apresentar esta comunicação divina.

Se fez carne
            É o que se chama de “Encarnação”. Quer dizer, Deus Eterno se faz um de nós: “em tudo semelhante a nós, menos no pecado” (Hb 4,15). Este, que é Deus, é carne: um de nós! Com “carne” se entende a totalidade do ser humano. Ou então, “verdadeiro homem”. Poderíamos dizer ainda que Ele – Jesus - é o Homem Verdadeiro. O homem assim como Deus o concebeu ao criá-lo, e assim como Deus quer que seja cada um e todos os homens de todos os tempos e de todos os lugares.
            Mas não podemos esquecer que Deus não deixou de ser Deus, uma vez que se encarnou. A fé cristã professa que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, consubstancial ao Pai pela divindade, e consubstancial a nós pela humanidade (Concílio de Calcedônia, 451). Deste modo cremos que em Jesus Cristo o Eterno se encontra com o tempo, com a história. O tempo e a história são próprios de nosso mundo criado, que por sua vez é limitado. É neste mundo que existe a bondade, o amor e a misericórdia; mas igualmente a maldade, o ódio e a injustiça. Contudo, a partir da Encarnação Ele está no meio de nós; nós, no aqui e no agora, nos comunicamos com o Mistério de Deus. Mais que comunicar, comungamos com Ele e nEle: “pois nEle vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,28).

Natal cristão
            Natal cristão é fazer memória de tudo isso. É tornar presente esta riqueza da fé lá onde estão os cristãos. Natal não é recordar o que aconteceu a mais de 2.000 anos em Belém, mas muito mais do que isso, é deixar que o mistério do Deus Encarnado toque a todos os humanos e que nos renove para sermos verdadeiramente homens e mulheres plenos de Deus, construtores de um mundo novo, livre da injustiça, da maldade, da corrupção e da morte, uma vez que Ele veio, vem e virá sempre de novo para morar conosco.
            Feliz Natal. Natal de Jesus, que é Natal dos cristãos, e que quer ser Natal para toda a humanidade.
Pe. Mário Fernando Glaab

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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Maria, Mestra de contemplação

ROSÁRIO – CONTEMPLAR COM MARIA

            O rosário de Nossa Senhora é uma das orações mais populares e de grande atualidade, principalmente entre os fiéis mais simples e humildes. É, na verdade, pela sua simplicidade, uma oração fácil de se fazer, mas, por outro lado, exige muito esforço para não ficar em monótona repetição.
            A facilidade consiste justamente nisso, de ser uma oração bem estruturada e de pouca variação. Basta decorar os mistérios e lembrá-los em cada dezena. O Pai-nosso, as Ave-marias e mais algumas outras fórmulas fluem quase automaticamente. O difícil é manter a concentração no que se está rezando. Mais ainda, por se saber tudo de cor e, por demorar alguns minutos em cada mistério.

“Rezar o rosário para Nossa Senhora”
            Ouve-se frequentemente dizer: “Rezar um terço para Nossa Senhora”. Apesar de a expressão não estar correta, entende-se com isso que se quer honrar a Virgem Maria, demonstrando nosso carinho e nosso amor. Honra-se a Mãe de Jesus com a récita do rosário, agradecendo, louvando, e pedindo graças. Isso dá aos fiéis uma força e uma paz inexplicáveis com palavras humanas. Quantas vezes, nas mais diversas situações da vida, as pessoas recorrem a Maria, rezam o rosário e, recuperam o sentido de sua caminhada, que por vezes é tão desafiadora!
            É costume rezar o rosário em procissões, peregrinações, nos santuários, nas famílias ou nas viagens; mas também se usa desta devoção para agradecer o perdão dos pecados após a confissão sacramental. Às vezes a penitência da confissão recebida pelo penitente consiste em rezar uma ou duas dezenas do rosário oferecidas a Nossa Senhora, ou em honra dela.
            Pergunta-se: Nossa Senhora precisa que nós lhe demos esta honra, rezando o rosário? Alguém vai dizer que sim, uma vez que nas diversas aparições ela tem insistido com os videntes para que rezassem e divulgassem a prática. Todavia, olhando mais de perto, com os olhos da fé ou do coração, podemos afirmar que Maria não necessita de nossa oração, mas que, com toda certeza, ela a aceita como Mãe, uma vez que assim se estabelece uma relação de amor mais vivo entre nós e ela e consequentemente com todo o corpo de Cristo que é a Igreja. Quanto mais nós nos unimos no amor, tanto mais as graças de Deus podem agir em todo o corpo de Cristo. E é isto que interessa: desobstruir o caminho para a ação da graça de Deus, assim como Maria esteve totalmente aberta à ação do Espírito de Deus.
            “Rezar o rosário para Nossa Senhora” tem como pano de fundo a confiança em Maria que é intercessora. Esta é, no entanto, apenas uma parte da devoção à Mãe de Jesus. Existe outra. Veremos.

Maria Mestra
            É de todos conhecido que Maria é apresentada pelo Evangelho de Lucas como aquela que “conservava e meditava em seu coração” (Lc 1,29;251) os mistérios da vida e da ação de Jesus, seu Filho. Nas bodas de Caná ela diz aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser!” (Jo 2,5) ensinando, dessa forma, como os serventes precisam “aproveitar” a presença de Jesus na festa.
            Baseados nestas afirmações evangélicas podemos ver a Mãe de Jesus, não apenas como uma intercessora que resolve problemas pontuais, conforme o momento, mas como verdadeira mestra. Ela ensina, a quem quer que seja, como lidar com as coisas de Deus. Conservar e meditar leva a fazer o que Ele diz.
            Maria, aquela que acreditou, passou o seu tempo guardando e contemplando as realizações de Deus nela, em seu filho Jesus e, por Ele, em prol da humanidade. Ninguém como ela pode entrar nos mistérios de Deus, pois ela é a Imaculada, a que não deixou seus pensamentos se mancharem e pela maldade e assim se desviarem de Deus e de suas obras. Maria, contemplando sobre o que o Senhor fez, atualiza sempre de novo Sua ação a partir de sua memória. O que o Senhor fez é sempre de novo retomado em toda a sua profundidade. Assim ela é verdadeiramente mestra para todos os que querem meditar e contemplar, para acolher sua Palavra.

Contemplar os mistérios
            Para nós é um desafio rezar bem as dezenas do rosário. Anunciamos os mistérios, mas, às vezes não encontramos sabor neles e nos distraímos. Talvez seja preciso renovar a nossa fé; ter mais convicção de que os mistérios do rosário são os mistérios centrais do cristianismo, e que eles necessitam estar presentes em nosso coração para viver concretamente o que Ele nos diz.
            O rosário de Maria quer nos propor o modelo da Mãe de Jesus. Quer que olhemos a partir da perspectiva dela: a partir de sua memória de Mãe que acreditou. Como nossos olhos são turvos e embotados, queremos olhar com os olhos de Maria. Contemplar como ela contempla; sentir como ela sente. Imaginar-se no coração da Mãe quando contemplamos, por exemplo, a flagelação de Jesus: ela sentia cada açoite de Jesus que a feria no coração e no espírito; a vinda do Espírito Santo acolhido por Maria como só ela o sabia fazer, é outro exemplo.
            Portanto, olhando para os mistérios da nossa redenção – rezando o rosário – queremos fazê-lo de maneira simples, olhando e rezando através dela, uma vez que ela, como Mãe é verdadeiramente Mestra.
            “A fé é a entrega da pessoa por inteiro; uma vez que Maria, desde sempre, entregou tudo, sua memória foi a tábua perfeita sobre a qual o Pai, através do Espírito, pôde escrever sua Palavra por inteiro” (H. U. von Balthasar). Com ela, entreguemos também nós nossa vida ao Deus Uno e Trino, revelado em sua Palavra feito carne: Jesus Cristo, nosso Senhor.
Pe. Mário Fernando Glaab


quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Igreja X Mundo

A IGREJA PERDIDA NO MUNDO

            A Igreja, desde seu início até hoje, consciente da ordem recebida de seu Mestre e Senhor, de levar a todos a Boa Nova da Salvação, sempre enfrentou desafios dos mais diversos tipos. Na sua prática, acertou ou errou; mais ou menos. Isto pode ser considerado normal. O importante é que ela continuou sua missão pelos séculos afora. Também hoje, e talvez mais ainda em nossos dias que no passado, ela enfrenta incompreensões, ataques e até perseguições dos mais diversos segmentos da sociedade, até mesmo de alguns da sua hierarquia.

Questões atuais
            O ano de 2017 é considerado o “ano da Reforma”, isto por causa dos 500 anos da Reforma Protestante, encabeçada por Lutero. Este acontecimento não passa despercebido para a Igreja Católica, pois o movimento ecumênico a confronta diretamente com o a questão de “Igreja sempre em reforma”.
            O Papa Francisco não esconde sua preocupação com uma Igreja que pretende ficar “trancada na sacristia”. Ele convoca, insiste e manda a Igreja para as ruas. Não quer uma Igreja doente e mofada, mas prefere uma Igreja que respire o ar puro (ou até poluído!) das periferias do mundo, mesmo que isto lhe cause ferimentos, perseguições ou até o martírio. Segundo Francisco, a Igreja deve estar em “saída” sempre.
            Em países da Europa (especialmente na Alemanha), já há alguns anos pululam debates, críticas, sugestões e apelos exigindo reformas nos mais diferentes campos da Igreja. Sem dúvidas por trás disso estão questões como escândalos dados por ministros, participação sempre menor das pessoas nas liturgias, diminuição de presbíteros, falta de possibilidade de participação na Eucaristia dominical (menos missas nas igrejas paroquiais, mas apenas celebrações da Palavra), mudanças no cuidado pastoral devido a reunião de paróquias, etc.
            As mesmas questões que afligem países da Europa, mais cedo ou mais tarde, estarão também entre nós e no restante do mundo, mesmo que a América Latina conta com uma situação diferente; o mundo globalizado atinge a todos.

A exemplo de Jesus de Nazaré
            Para que a Igreja tenha coragem e luz para enfrentar os novos desafios dos tempos atuais e, para que realize as reformas necessárias, também nas estruturas milenares tão difíceis de se moverem, não tem outro jeito, a não ser olhar para a vida e a pessoa de Jesus de Nazaré, atualizando-a para os dias de hoje.
            Jesus, no seu projeto salvífico (levar a todos a Boa Nova do Deus misericordioso), se perdeu no mundo. Não reservou nada para si. A condenação e a cruz foram a última palavra do mundo sobre Ele. Jesus, no entanto, se calou! O abandono foi total, até mesmo de Deus! Morreu!
            Na Igreja não pode ser diferente. Ela precisa, a partir de Jesus, ter diante dos olhos o Reino, não a si mesma. Toda a organização: a estrutura, os planos de ação, os projetos, a formação, etc. deve estar direcionada para o anúncio e a presença do Reino de Cristo no mundo concreto, lá onde estão as mulheres e os homens de hoje: nas mais diversas periferias. Isto vai trazer, com certeza, também para a Igreja a condenação e a cruz, mas é este o caminho. O Reino é fruto de amor. Amor sem medida. Na Igreja, então, não são as estruturas que devem ser transformadas simplesmente, mas devem ser vistas e compreendidas em suas funções para se colocarem novamente a serviço do verdadeiro amor. Somente esse testemunho irá impactar o mundo, pois Jesus diz: “Se vos amardes uns aos outros, nisso todos reconhecerão que sois meus discípulos” (Jo 13,35). Esta atitude da Igreja, a exemplo de Cristo, é reflexo espontâneo, não forjado, de diversas atitudes de renúncia abnegada, prefigurando o abandono de Cristo. A Igreja, também crucificada, perdendo-se no mundo.
            Há momentos em que a Igreja também precisa calar diante das incompreensões e ataques do mundo, como Cristo calou diante da cruz; mas por outro lado, assim como Cristo falou e até gritou, a Igreja jamais pode prescindir de falar e de ter seu profetas. Suplicar a Cristo ou aos seus santos que salvem a Igreja de seus adversários, pode ser bom, mas que estas súplicas contenham algo de compromisso, algo de corajoso abandono. Nada na Igreja é mais fecundo e transformador que a presença de uma autêntica santidade e profecia.

Perder para ganhar
            Os desafios estão na Europa, estão no mundo, estão aqui; como a Igreja os deve enfrenta-los?
            Talvez seja mais necessário hoje do que nunca, a Igreja se conscientizar de que ela não é mais o centro modelador da sociedade secularizada. Aparecer diante do mundo se auto incensando pode ser muito prejudicial. O ministros que gostam de se pavonear, vestir as couraças do poder e até desejosos de dominar a marcha da economia e da política mundial estão na contramão do Reino. Alguém já dizia com sabedoria: “Não é pedido a nós vencer, mas resistir” (Clodel), o resto se deixa para a Providência.
            Que a resistência e o trabalho da Igreja em todas as situações, seja com simplicidade, com inteligência, com sabedoria, sobretudo com a impotência da morte (perda, abandono), desde a qual ela pode dar o mais potente testemunho do amor que vem de Deus. “O mundo luta pelo bem-estar, a Igreja luta pela salvação, mesmo quando trabalham juntos pela superação da miséria” (H. U. von Balthasar).
            A Igreja, perdida e abandonada no mundo, entrega-se toda na fé e na esperança, pois sabe que antes dela alguém já venceu o mundo: morreu mas ressuscitou!
Pe. Mário Fernando Glaab
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sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Deus por Maria, nós com Maria

POR MARIA E COM MARIA

Por Maria Deus vem ao encontro da humanidade; com Maria a humanidade vai ao encontro de Deus. Este é um ensinamento que aprendemos desde criança, mas que pode e deve ser aprofundado, principalmente em época de muita devoção mariana e, igualmente em tempos e situações de críticas da parte de cristãos separados que creem e pensam diferente.
Dom Leomar Brustolin (bispo auxiliar de Porto Alegre), na conclusão de seu livro Eis tua Mãe – Síntese de Mariologia, assim se expressa: “Em Maria, Deus vem ao encontro do humano. Com Maria, a humanidade vai ao encontro de Deus da forma mais perfeita” (p. 119). Assim ele mostra como Maria é “duplamente Mãe”. Mãe por conceber Jesus Cristo na fé e na carne, Mãe por ser o ícone da Igreja, ou então, por cooperar com os discípulos de seu Filho em sua caminhada de fé e no encontro sempre mais profundo com o mistério do Deus Uno e Trino.

O caminho de Deus
            Para Deus todos os caminhos estão abertos; Ele não encontra obstáculos que o impeçam de vir a nós, suas criaturas. Mas nós, seres humanos, por causa de nossas limitações, não estamos em condições de o receber por qualquer caminho. Temos dificuldades enormes para abrir as portas de nosso ser às infinitas maneiras de Deus vir. Porém, Deus não se deixa vencer diante da pequenez de suas criaturas. Ele “usa” todas as possibilidades para transpor as portas do nosso interior.
            A mulher e o homem, acostumados a confiar em si mesmos, são medrosos diante daquilo que vem de fora. Desconfiam e procuram se defender de quem bate à porta do lado de fora. Até mesmo de Deus! Veem em tudo uma intromissão indevida; algo que pode incomodar, ou melhor, destronar do lugar cômodo onde se julgam estar tranquilos. Já os primeiros pais da humanidade ficaram com medo de Deus e fugiram (cf. Gn 3,10), mas este não os abandonou em sua frustrada sorte.
            É maravilhoso ver as inúmeras tentativas de Deus para se encontrar frente a frente com o ser humano. Ele procura se revelar e estabelecer diálogo e comunhão pela palavra dos profetas, pelos feitos de homens santos, pelos acontecimentos da natureza, enfim, pela história individual e comunitária do povo. Mas a “criatividade máxima” de Deus – se isto é permitido dizer -, acontece quando Ele mesmo se encarna no seio de uma mulher, que se torna Mãe, para por este caminho vir aos homens que entendem um pouco do que é ser mãe, pois a primeira experiência de vida de todo homem vem por meio do amor, do carinho e do cuidado de sua mãe. Jesus, o Filho de Deus, vem a nós por meio de Maria, uma mulher que é sua Mãe; uma vez que nós começamos a entender o mundo por meio de nossa mãe.
            Em Jesus Deus se revela em toda a plenitude (até onde o ser humano, ajudado pela iluminação do alto, é capaz de acolher). Revela o seu amor até as últimas consequências. Ele, no entanto, inicia esta maravilha por meio do caminho do amor materno, de Maria sua Mãe. Alguém pode se desculpar, dizendo que não entende nada do amor de mãe?  A realidade do amor de mãe é tão envolvente que ninguém se pode furtar dele. Até mesmo os que não tiveram a sorte de ter uma mãe que os acolhesse com amor, de uma ou de outra forma, experimentaram amor materno, pois sem ele não estariam vivendo.
            É claro que este não é o único caminho que Deus percorre para se comunicar e se doar à humanidade, mas é, sem dúvida, um caminho tão humano que todo homem por ele pode ser alcançado e lhe consegue abrir as portas. Basta ter humildade e vontade acolhedora. Mesmo que a abertura seja pequena, um pouco do infinito amor de Deus, com certeza, entrará e tocará o íntimo do coração humano.

O caminho da humanidade
            A humanidade também tem um caminho a percorrer, rumo a Deus. Quem a ajudará nesta tarefa? Quem se coloca na frente ou ao seu lado?
Já dissemos acima que Maria é ícone da Igreja, ou então, colaboradora dos discípulos de seu Filho na caminhada de fé e no encontro sempre mais profundo com o mistério de Deus Uno e Trino, agora vamos aprofundar este dado. A atitude da Mãe de Jesus, diante do desafio lançado por Deus não é outra a não ser de acolhida humilde e confiante. Ela, dessa forma, encontrou graça diante de Deus que, ao ser acolhido, se encarna em seu seio: “E o anjo se retirou” (Lc 1,38). Maria havia restabelecido o caminho que Eva tinha rompido quando temerosa fugiu de Deus (cf. Gn 3,8-10). Assim, como Eva é considerada “a mãe de todos os viventes” (Gn 3,20), Maria é a Mãe de todos que acreditam nas maravilhas que o Senhor realizou nos tempos messiânicos (cf. Lc 1,45).
            O ser humano sempre busca caminhos que levam a Deus. As religiões dão respostas a esta busca incessante: tem a intenção de “religar” o homem a Deus. A religião cristã, com o mesmo intento, ensina que Deus mesmo quer estabelecer comunhão com o homem perdido ou impedido de retornar. Cabe a ele responder. E, é justamente aí que entra a resposta de fé e confiança dada por Maria, a Mãe de Jesus. É a resposta modelar da Mãe para todos os que quiserem responder ao Deus que vem. No seu sim, Maria creu em Deus, mas igualmente “contemplou” o povo que haveria de aceitar o plano de Deus que agora estava se realizando nela e por ela, e que iria restabelecer a comunhão com a humanidade. Maria contemplava a Palavra de Deus e ao mesmo tempo contemplava o povo que haveria de acolher a Palavra feito Carne.
            Assim, pode-se dizer que o caminho para Deus, proposto pela fé cristã, é acolhida do projeto de Deus na história humana. E, para esta acolhida temos o exemplo da Mãe que no amor materno crê com toda a confiança. Seu amor ultrapassa todas as explicações lógicas ou quaisquer raciocínios humanos. Ela, como Mãe, entende de seu Filho e, o apresenta como o Caminho a ser seguido.

Por Maria e com Maria
            Portanto, o caminho de Deus para a humanidade e o caminho da humanidade para Deus se encontram em Jesus Cristo. Porém, Jesus é o Filho de Maria. Isto nos permite dizer que o caminho que Deus percorre, para vir até nós, passa por Maria; mas também que Maria aponta o caminho que nós precisamos percorrer para chegar a Deus. Nunca é demais recordar as palavras dela aos servos naquela festa de casamento quando estes estavam em apuros porque perderam a alegria da festa, uma vez que faltava o vinho: “Fazei tudo o que ele vos disser!” (Jo 2,5). Maria crê e Maria pede para obediência dos servos a Jesus. Tenhamos fé e sigamos a Jesus como Maria.

Pe. Mário Fernando Glaab

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Com os irmãos e com Deus

ORAR A DEUS COM OS IRMÃOS E AGIR EM FAVOR DOS IRMÃOS COM DEUS

            O Papa Francisco, na homilia proferida em Fátima por ocasião da canonização dos pequenos pastores Jacinta e Francisco Marto, a certa altura assim se expressou: “rezamos a Deus com a esperança de que nos escutem os homens; e dirigimo-nos aos homens com a certeza de que nos vale Deus”. Em primeira mão parece que o Papa está dizendo que a nossa oração deve ser feita com a intenção de ser ouvida pelas pessoas, para assim sermos reconhecidos. E até pode parecer que a oração dispense nosso compromisso, se é Deus que nos deve valer. Isso seria contrário ao que Jesus ensinou quando pede que não se façam orações para ser vistos e recompensados por isso (cf. Mt 6,7). Ao aprofundar a questão vemos que não é bem assim, porém tem um ensinamento profundo na afirmação de Francisco.

Oração e comunhão
            O cristão nunca está sozinho, mas sempre está em comunhão com os irmãos. Mesmo que recolhido em seu quarto, ou num ambiente onde se encontra totalmente só, sempre está ligado a seus irmãos na fé, na esperança e na caridade. Neste sentido, qualquer prece que o cristão dirige a Deus, sempre é expressão da comunidade cristã; ou melhor ainda, é fruto da comunhão que une os irmãos. Toda oração que alguém faz, mesmo aquela na qual coloca diante de Deus o seus desejos mais íntimos e particulares, é sempre algo que se forma a partir da comunidade à qual pertence o indivíduo.
            Desta maneira, é necessário que os homens “escutem” a oração para que seja também a oração deles, pois doutra forma, não seria mais oração cristã. Esse escutar não quer dizer que as pessoas precisam ser convocadas para ouvir, mas que se estabeleça entre o orante e os irmãos uma conexão de sentimentos. Aquilo que é expresso no diálogo de quem reza é, ao mesmo tempo, expressão daquilo que os homens anseiam no íntimo de seu ser. Por isso o Papa fala da necessidade de ter “esperança de que nos escutem”. O que é colocado diante de Deus na oração se conforma com o que os homens desejam colocar diante dele: louvor, gratidão, pedido de misericórdia, necessidades particulares, etc.
            Portanto, a verdadeira oração cristã é sempre fruto de comunhão, e, leva automaticamente a mais comunhão ainda. Ela tem a força da unidade para subir até Deus, mas igualmente conclama mais e mais os homens para a unidade. Oração é comunhão e comunhão leva à oração.

Ação e fé
            A ação cristã junto aos homens pode ser de inúmeras maneiras: admoestações, instruções, orações e trabalhos caritativos. Tudo é englobado na ajuda fraterna que visa construir uma sociedade mais justa e igualitária onde a vida de todos é preservada e valorizada.
            O Papa, ao dizer que quando nos dirigimos aos homens devemos fazê-lo “com a certeza de que nos vale Deus”, está afirmando a importância da fé. Não se faz nada de bom quando se confia somente em nossas pobres forças ou capacidades humanas. Somos tão limitados e o amor próprio – o orgulho – nos impede de sair de nós mesmos para o bem do outro. Contudo, quando nos deixamos conduzir pela fé no Deus que é Pai e que sabe o que cada um precisa, mesmo antes de tomarmos consciência disso, então as coisas mudam, e muito. Ações, sejam elas quais forem, quando feitas com fé, são capazes de verdadeiros milagres. Exemplos de serviço sem esperar nada em troca podem ser encontrados com abundância. E isso, geralmente entre os mais humildes; aqueles que têm fé mais pura. Os poderosos, os grandes deste mundo, não sabem realizar seus atos com a certeza da fé, uma vez que confiam no seu poder e na sua importância e, consequentemente suas intenções são outras.
            O homens precisam de pessoas que lhes vêm ao encontro para estabelecer comunhão. Mas estão saturados de falsos comunicadores, de interesseiros que lhes querem roubar a dignidade e a paz. Os cristãos não podem se furtar da tarefa de levar uma palavra de perdão, de vida e de paz ao mundo através de ações concretas e compromissadas. Somente com muita fé no Deus de Jesus de Nazaré, que manda seus discípulos a ser luz e sal da terra, é que os cristãos podem colaborar para que o mundo seja um pouco melhor, e que o Reino anunciado por Jesus se aproxime um pouco mais.
            Comunhão e fé, fé e comunhão andam juntas, na oração e na ação do cristão.
Pe. Mário Fernando Glaab

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domingo, 4 de junho de 2017

Maria escuta e consente

OBEDECER E CRER

            Ser obediente não é mesma coisa do que ter fé. Nem todo aquele que obedece crê; mas todo aquele que verdadeiramente acredita, confia e obedece. A obediência é um passo em direção da fé, mas a fé é muito maior do que a obediência. Esta última é apenas caminho que nem sempre leva para o nível superior da fé.

Maria é obediente na fé
            Contemplando a atitude de Maria, a Mãe de Jesus, diante do anúncio de que seria mãe, constata-se que ela é obediente, mas muito mais, ela crê além de todas as razões para obedecer. Obedecer, neste caso, é escutar, crer é consentir. Ela é obediente ao convite de Deus porque escuta, mas consente com o seu sim porque acredita na fidelidade de quem se revela. Maria, justamente por não entender, vai além do simples escutar e se submete totalmente às palavras do Anjo num ato de fé que abdica do agir e, deixa assim lugar para que Deus atue totalmente nela.
            Se Maria ficasse somente na escuta ela perguntaria “o que devo fazer?”, mas nunca chegaria ao “eis aqui a serva do Senhor”. Esta última é a resposta de quem se submete na fé sem medir consequências. Abre-se ao puro dom de Deus. Assim, no mistério de Encarnação, não há nenhuma ação humana, mas somente abertura para a ação de Deus. “E o Verbo se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14). É, na verdade, a liberdade sem mistura de constrangimento e de temor. Deus, por meio do Anjo, ajuda o ato de fé incondicional de Maria ao lhe dizer: “Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus. Eis que conceberás em teu seio e darás à luz um filho” (Lc 3,30-31). A maravilha da concepção virginal é a resposta de Deus à fé de Maria, que crê em nome de toda a humanidade.

Escravos da lei, livres pela fé
            Não são poucos os cristãos que levam sua vida na escravidão da lei. Eles veem sua religião como um amontoado de leis que precisam ser observadas para não merecer o castigo e alcançar alguma recompensa. O cristianismo, como doutrina, possui seus mandamentos, sim. Quem os observa tem a segurança da lei. Mas a lei não deixa de ser uma imposição, que justamente por isso, dá o ensejo de se livrar dela. Submeter-se é preciso, porém a tentação de escapar por alguma interpretação favorável está sempre aí. Cria-se toda uma mentalidade legalista; imagina-se o peso do descumprimento e da obediência dos mandamentos. Tudo será colocado na balança. Conforme, para onde pende a balança, haverá castigos ou méritos.
            Esta visão, por mais justo que alguém pretende ser, provoca angústia e desconfiança. Ninguém pode se considerar totalmente puro, pois todos estão sujeitos ao erro. Em consequência Deus deixa de ser um Pai e se torna um carrasco. A expressão “cólera de Deus” não está totalmente no passado. Aliás, alguns pregadores usam de ameaças e da figura de Deus zangado, para forçar a “conversão” dos adeptos. Isto, na verdade, é forçar a situação. Não está baseado na lei do amor, ou melhor, não tem nada do amor de Deus, nem do amor dos irmãos. É tortura espiritual.
            Contudo, a fé em Jesus Cristo, quando é bem formada, leva ao consentimento de seu mandamento. O mandamento de Jesus é o amor. Não se pode experimentá-lo a não ser na liberdade gratuita. E isto somente se consegue com a fé de que tudo o que Ele ensinou com palavras e obras é verdadeiro. A convicção da verdade leva ao consentimento: “eu quero”. Torna-se opção livre e responsável, mas, justamente por isso, não se prende às questões do castigo e do mérito. Quem crê sabe abandonar-se no amor de Deus. Deixa que Ele – assim como Maria fez – conduza a história de sua vida, produzindo frutos, não para “vendê-los” mas para distribui-los como dons da graça aceitos na fé.
            Se a submissão à lei provoca angústia, a opção de fé produz a alegria da doação livre e generosa.
            Que Maria, a pobre serva do Senhor, com sua intercessão e com sua maneira de crer, ajude a todos nós para sermos cristãos de fato, não apenas de fachada, observantes de algumas leis.
Pe. Mário Fernando Glaab
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sábado, 29 de abril de 2017

Alegria da fé.

CRIADOS POR AMOR E PARA O AMOR

            O ser humano sempre fez, faz e fará perguntas sobre sua própria existência. Donde venho, para onde vou? Por que estou aqui? Qual é o sentido de minha vida? E coisas assim. Muitas respostas foram dadas; tentativas das mais diversas, provenientes de sábios, de religiosos, das religiões e das culturas de todos os tempos. Aliás, as religiões se propõem a “religar” o ser humano à sua verdade originária, dar-lhe as condições para “retornar” ao seu início onde se compreende também finalidade última de toda a existência.

Resposta judeo-cristã
            Sem criticar as muitas soluções ou caminhos encontrados pelas mais diversas tradições religiosas, culturais e buscas filosóficas; queremos nos ater ao que a fé de Israel e, depois, a fé cristã nos propõem.
            A característica da fé de Israel (Antigo Testamento) é de que Deus mesmo toma a iniciativa de vir ao encontro do ser humano para lhe “dizer” algo sobre o seu sentido mais profundo. Com isso não se pretende afirmar que os “inspirados líderes” do povo não buscassem ansiosamente o contato com Deus. Certamente eles, junto com o povo que acreditava e procurava viver sua fé, criaram as condições favoráveis para que Deus “pudesse” vir ao seu encontro, dizendo-lhes algo sobre si mesmo e sobre o sentido da vida e existência humanas.
            A este processo que veio para falar chamamos de Revelação. Deus, que por livre iniciativa, se apresenta na história deste povo que o busca, e lhe mostra sua vontade para ele. Contudo, não é tão simples assim. Para que o ser humano – concretamente, aquele povo -, pudesse acolher e crer no que lhe estava sendo revelado, tudo aconteceu no caminhar da história: Deus – Javé, como o chamavam – veio em socorro desse povo sofrido, ajudando-o a se libertar da escravidão para a vida como povo. Ele se mostrou como aquele que quer estabelecer uma aliança com um povo livre. Ele sendo o Senhor e o povo sendo seu povo livre que pudesse viver.
            Tudo isso desembocou no conceito de criação. Assim como Deus constituiu (criou) um povo para poder existir e viver na liberdade, também criou o homem e tudo o que existe para a liberdade. Esta fé na criação foi assumida igualmente pelos cristãos. Mas, para que criou Deus todas as coisas?

Criados e escolhidos, escolhidos e criados
            A fé judaica foi aprofundada à luz de Jesus Cristo. Hoje, quando falamos da fé bíblica na criação, entendemos os dois testamentos, o Antigo e o Novo.
            A fé bíblica nos ensina que nós, e conosco todas as criaturas, existimos porque Deus é amor. Ele nos cria e escolhe para o amor; ou também podemos afirmar que nos escolhe por amor e, em consequência, nos cria. Todas as criaturas são fruto do amor criador de Deus, mas somente nós, os humanos, pela consciência sabemos disso e, damos nossa adesão de fé, comprometendo-nos a corresponder livremente ao amor criador de Deus. Portanto, Deus cria para se revelar, revela-se para amar e deixar-se amar e, assim, compartilhar vida. Mesmo que o ser humano seja infiel aos planos de seu Criador, este não se deixa vencer pela desobediência do pecador. Oferece-lhe redenção e promessa de vida em plenitude. Convida o ser humano a já, aqui e agora, fazer a experiência desta vida, deixando-se envolver no mistério do amor verdadeiro que é o amor de Deus em nós: o Espírito derramado em nossos corações.
            Não é possível, então, separar as questões da criação, da redenção e da plenitude. O amor de Deus é a causa última de tudo. E, uma que este amor quer se compartilhar, escolhe, cria, redime e salva. Quanto mais o ser humano responde positivamente com amor à escolha, à criação, à redenção e à salvação, tanto mais se realiza e se aproxima da plenitude de Deus que é vida sem fim.

Tudo é graça
            Se tudo parte e vai para o amor de Deus criador, redentor e salvador, pode-se dizer que tudo é graça. Mas, como poderemos ser gratos a Deus por tudo que ele fez e faz por nós? Viver com alegria!
            A fé não admite tristeza, pois ela coloca a criatura diante do Criador que a ama. Este amor do Criador lhe basta. Esta é a realização mais profunda do homem; a alegria que vem de Deus. A alegria da fé transforma tudo. Tudo será valorizado e tudo terá sentido. Cada criatura ocupará o seu lugar, e nenhuma será negada, desprezada ou matada. Cada ser humano será convidado à festa da alegria, onde não haverá mais choro, tristeza ou dor.
            Só a gratidão das pessoas felizes pode dizer: “Tudo é graça”; porque acolhem-na para compartilhá-la.
            Alguém vai dizer que no mundo existem também as sombras, as trevas, a dor e a morte. É verdade! Mas tudo isso não vem da luz (graça), mas dos obstáculos postos à luz. Sejamos gratos a Deus, ao semelhante, e a todas as criaturas; e, na alegria testemunhemos o amor sem medidas de nosso Deus, ajudando na tarefa de tirar tudo o que obstrui o livre caminho para todos, unindo-nos à festa da vida. Deus, em Jesus, venceu as trevas, o mal e a morte: alegrai-vos!
Pe. Mário Fernando Glaab

sábado, 22 de abril de 2017

Hunsrikisch Spessje

DE PFARRA UN DIE KAPLENE

De Religionslehra wo doch groat am erkleere was des en Pfarra is, un die Unnaschied zwischen Pfarra um Kaplan. Dan hot er gessoat: “Pfarra is in de Pfarrei de Hirt, das is de wo die Schofe toke odde uffpasse tut, zum beispiel”. Dan, fa sien ob die Kinna es verstan hon, frot er weita: “Wea sin dan in dem Vergleichniss die Schofe?” Ein Bubje antwat gleich: “Ei dat sen mia, die Leit wo in di Kerich gehn”. “Gut”, parlamentier de Lehra, un frot nochmol weita: “un wea sin dan in denne Verheltnisse die Kaplene?” Noh einige stille Minute hat dat Fritzje de Finga gehob. “Já, Fritz”, soat de Professa: “Die Kaplene sin die Schofhun!”, erklert dea Lauskerl.
Es is doch traurich mit de Kinna in de heitiche Toche, die sin so weit voa; was die eltere Leit net menne dat hon die Lauskerle schun alles bekept.
Glaabsmario

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sexta-feira, 7 de abril de 2017

Páscoa - Esperança

PÁSCOA – ESPERANÇA RENOVADA E COMPARTILHADA

            Os tempos litúrgicos possuem características próprias para envolver os fiéis em experiências espirituais sempre novas. Neste sentido, o tempo pascal proporciona, para quem o vive intensamente, forte renovação da esperança.

A Ressurreição do Crucificado
            Páscoa é, para os cristãos, a comemoração da ressurreição de Jesus de Nazaré que foi crucificado. Jesus de Nazaré foi aquele homem que passou toda a sua vida fazendo o bem a todos, pois tinha consciência de que recebera esta missão de Deus, seu Pai. Ele se alimentava espiritualmente na intimidade com o Pai. Passava horas e horas em oração. Na oração encontrava as forças necessárias para não esmorecer diante dos desafios e das incompreensões. Onde havia algum pobre, doente, pecador ou excluído, lá o Homem de Nazaré agia, sempre com a maior caridade possível. Curou a muitos e a todos anunciou que Deus é Pai cheio de amor e compaixão. Sua misericórdia não tem limites.
            Estas palavras e gestos de Jesus perturbaram os ricos, os poderosos e os que se julgavam os bons. Tramaram a sua morte com a pior de todas as condenações. A crucifixão era para os criminosos e rebelados, considerados malditos, tanto que eram executados fora da cidade. Aquele que fez tudo por amor mereceu esta morte ignominiosa. Foi o preço que Jesus pagou por levar até o fim sua missão de instaurar o Reino do Amor, da Justiça e da Fraternidade, o Reino de Deus neste mundo.
            Páscoa é, portanto, a vitória do bem sobre o mal: a ressurreição do Crucificado, daquele que foi condenado por revelar o amor incondicional de Deus para todas as suas criaturas. A Ressurreição, muito mais do que voltar à vida passageira, é vida plena; vida definitiva em Deus, que é só amor. Aquele que só amou, agora está no amor definitivo de Deus. Na ressurreição de Jesus – o Crucificado – Deus pronunciou a última palavra sobre a missão dele e sobre o mundo. Deus decretou a vitória do bem e a derrota do mal. O Crucificado vive definitivamente por ter dado a vida pela causa do bem. Deu a sua vida para que o ser humano pudesse ter vida, esta é a vontade de Deus. Portanto, no Ressuscitado Deus já disse o que quer para a humanidade: que todos vivam no amor para também terem vida em plenitude.

Nossa Páscoa
            Para os cristãos a Páscoa é deixar-se envolver no mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus. É bem mais do que algumas celebrações nas igrejas. A preparação, os ritos da semana santa e a celebração da vigília pascal estão aí para atualizar na vida do cristão o mistério de Jesus Cristo que continua a sua missão de salvar a toda a humanidade. Em outras palavras, é a renovação da fé, da esperança e da caridade cristãs.
            Assim como Jesus de Nazaré foi conscientemente até à cruz por causa da sua missão, também a cristã e o cristão vão com Ele no caminho da cruz, vivendo no amor misericordioso, cheio de esperança e de fé. O mundo coloca muitas cruzes no caminho das pessoas, especialmente das que, como Cristo Jesus, estão do lado dos mais fracos, dos pobres, dos injustiçados, dos espoliados e dos pecadores.
            A Páscoa, para nós hoje, tem sentido somente se de fato une à missão de Jesus que continua a salvar o que “está perdido”. O cristão que não se dispõe a isso, está negando sua identidade – é cristão falso. Mas, por outro lado, todo aquele que, apesar das fragilidades e pecados, confia em Deus, se lança na obra do bem, da justiça e do perdão, espera confiantemente na bondade de Deus que há de pronunciar um dia também sua Palavra definitiva sobre toda a criação, este se renova na fé, no amor, mas principalmente na esperança.
            Assim como o amor assumido por Jesus até as últimas consequências o levou à morte, também o amor assumido pelo discípulo de Jesus pode levá-lo à morte; todavia, como Jesus ressuscitou, ressuscitarão com Ele os que sabem amar. Aliás, o amor tem algo parecido com a morte, pois na morte o ser humano se entrega totalmente e nada mais pode segurar para si; assim, no amor a pessoa não reserva nada para si mesma, doa-se confiantemente para o outro, no qual está o Outro que dirá a sua Palavra Definitiva.

Esperança compartilhada
            Jesus, como dissemos, compartilhou com a humanidade sua intimidade com Deus, seu Pai. Esta era a sua missão: anunciar a todos que o Reino de Deus está no meio de nós.
            A missão da cristã e do cristão não pode ser diferente. Isto exige uma profunda convicção de que existe esperança para todo ser humano: que Deus criou todos para a realização plena em sua comunhão. Que tal, se neste tempo pascal compartilhássemos esta verdadeira convicção de fé: Deus que nos cria para a felicidade em comunhão com ele, chama a todos desde sempre, e não houve desde o começo do mundo um só homem ou uma só mulher que não tenham nascido amparados, habitados e promovidos por sua ação reveladora e por seu amor incondicional. Que, portanto, não tenham direito à esperança.
            Uma vez que o Crucificado é o Ressuscitado, todos têm direito à esperança. Isto queremos compartilhar neste tempo pascal. Feliz Páscoa com a esperança renovada.
Pe. Mário Fernando Glaab
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segunda-feira, 13 de março de 2017

Um sábio falando

Achei interessante e bonita a afirmação de Johann Wolfgang von Goethe: "O tempo rende muito quando é bem aproveitado" (Folhinha do Sagrado Coração de Jesus, do dia 07/03/2017), e resolvi compartilhá-la.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Quaresma - Conversão

SER PARA O POBRE, ESTAR COM O POBRE OU SER COMO O POBRE

            Está em moda dizer que é preciso se converter para Jesus. Isso se ouve frequentemente entre todos os tipos de cristãos, tanto entre evangélicos quanto entre católicos, alguns o fazem até fanaticamente. Pode-se perguntar sobre que Jesus se entende quando se faz essa afirmação. Trata-se de Jesus que resolve todos os meus problemas, porque é o Senhor glorioso, ou daquele Jesus que, conforme os evangelhos, optou pelos últimos da sociedade, pelos doentes, pelos excluídos, pelos pecadores e todo tipo de pobres? Converter-se para qual deles?
            No início da quaresma e no rito da imposição das cinzas na abertura desse tempo litúrgico, ouve-se o apelo de Jesus “Convertei-vos e crede na Boa Nova” (Mc 1,15); de que conversão está falando Jesus? Reflitamos um pouco.
Converter-se e crer
            Converter-se e crer exige decisão e esforço contínuos. Conforme os evangelhos, conversão consiste em redirecionar a caminhada. Tomar outro rumo. Se antes se avançava em uma direção, agora é preciso seguir em outra – seguir o Mestre Jesus. Mas para que isto seja possível, é necessário deixar tudo o que motivava a caminhada anterior. É uma questão de valores. Renunciar aos valores que orientavam a vida, e aderir a novos valores, os de Jesus. O que sustenta esta mudança não pode ser outra coisa a não ser fé. Fé, não em alguma coisa, mas no próprio Jesus. Caso antes se seguia um cristo que prometia vida fácil, honras, sucessos e muitas bênçãos, e ainda a certeza de que um dia se vai para o céu; agora é preciso ser discípulo de um Jesus que anda pelas estradas empoeiradas da Palestina e se entretém com os indesejáveis doentes e malditos que encontra à beira do caminho. Ouvir dele as duras palavras que se alguém quer segui-lo deve renunciar a si mesmo e tomar sua cruz cada dia (cf. Lc 9, 23), e não retroceder.
            Portanto, converter-se e crer, significa concretamente, voltar-se para Jesus de Nazaré (atualizando-o para os dias atuais e para a realidade religiosa, social e política de hoje), segui-lo humildemente, crendo que somente ele pode nos mostrar e fazer experimentar o que Deus quer de nós. Crer em Jesus é se calar diante dele, deixar que ele fale, que ele mostre, que ele seja o Mestre. Aquele que se aproxima de Jesus para, antes de tudo, falar do que precisa, do que espera e do que Deus deve fazer com os outros, ainda não conhece Jesus de Nazaré proclamado pelos evangelhos e pela Igreja; e muito menos, acredita nele.

Jesus, o pobre
            Não adianta tentar esconder o sol com a peneira. Jesus de Nazaré não é alguém que gosta dos pobres, mas ele é o pobre. Jesus de fato se identifica com os irmãos e irmãs menores (os pobres de todos os tipos): “Todas as vezes que fizestes alguma coisa a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). Isto deve estar claro para todos, e não pode deixar de examinar a consciência de cada cristão. Eles, os pobres, serão os juízes definitivos, uma vez que Jesus se identifica com eles, e a atitude face a eles decide o futuro do ser humano (cf. Mt 25,45). Pode-se afirmar que, rejeitando o pobre, rejeita-se o Cristo crucificado, pois ele é o crucificado por ser o pobre e por ter defendido todo tipo de pobre.
            A partir do seguimento de Jesus-pobre, pode-se chegar a três atitudes: uma primeira que volta a pessoa para o pobre. Isto é, atende algumas necessidades dele dando esmolas. É o que normalmente se chama de assistencialismo. É um mínimo de caridade; mas deixa o sujeito em sua situação cômoda sem precisar mudá-la. Não é conversão.
            Outra é a de quem está com o pobre. Partilha sua caminhada, seu modo de rezar e também de conviver. É, sem dúvida, um modo de amor solidário. Transporta a pessoa para o mundo do pobre e, ele chega a experimentar em sua pele o que os pobres e miseráveis sentem em suas necessidades mais básicas. Existe, todavia, uma terceira atitude: a de Jesus mesmo. É a daquele que não somente se volta para o pobre; não está com o pobre, mas é pobre. Este é o bem-aventurado que tem a graça de despojar-se de tudo interior e exteriormente para viver com o estritamente necessário. Somente este pode-se alegrar como os pobres se alegram (Jesus se alegrava com os campos floridos, com as crianças e com o Pai que cuida de tudo e de todos); sofrer como os pobres sofrem, e rezar como os pobres rezam.
            Viver assim, como Jesus-pobre, não é fácil, mas é graça do Espírito: um verdadeiro carisma. Que bom seria os que almejam por carismas tivessem esta consciência, e se optassem verdadeiramente por Cristo e pela Igreja dos pobres. Se dessem este testemunho ao mundo, e se vivessem “a alegria do Evangelho” sem máscaras e sem pretensões mundanas.
            Jesus Cristo, encontrado no pobre concreto de nossas ruas, é sacramento de salvação. Ele, acolhido, seguido e vivido, levará para a intimidade do próprio Deus. Abrirá as portas do Reino da Trindade Eterna. Foi Jesus quem o ensinou com palavras e exemplos, mas principalmente, vivendo pobremente, e, vindo hoje ao nosso encontro no pobre.

Doar-se ao Pobre
            Converter-se a Jesus é bem mais do que dizer eu o encontrei quando fui a determinada igreja. Converter-se a Jesus consiste em assumir o seu projeto de vida, a sua maneira de ser. Portanto, consiste em doar-se como ele se doou: ao pobre, todo inteiro.
            O primeiro passo, no processo de conversão, deve ser a conversão da mentalidade: se Jesus é o pobre, nem todos os pobres são vagabundos! Depois vem os atos: nunca afastar o olhar do pobre; nunca negar uma palavra de consolo; nunca deixar de lhe estender a mão; nunca deixar de lhe dar alguma coisa, por mínima que seja (talvez somente um sorriso). Aquele que infalivelmente pretende encontrar o Cristo vivo e verdadeiro deve compartilhar a vida com os pobres. O pobre abre a porta para o céu.
Pe. Mario Fernando Glaab

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sábado, 18 de fevereiro de 2017

Cristão e comunidade

COMUNIDADE CRISTÃ É COMUNHÃO

            Por muitos anos se entendia que a comunidade cristã ideal é aquela onde os pobres são humildes e os ricos bons. Isso, foi pregado e ensinado até mesmo por pessoas importantes das altas esferas eclesiásticas. Eles, certamente tinham boas intenções, mas, será que de fato isso era o melhor para as comunidades? Queriam, sem dúvida, harmonia entre os diversos segmentos da sociedade. Porém, aprofundando mais o sentido da pessoa e do evangelho de Jesus de Nazaré, percebe-se que isso está longe de ser conforme o que ele viveu e anunciou.

Pobres humilhados e ricos bons
            Partindo das bem-aventuranças, muitas vezes, a Igreja caía na confusão de ensinar que Deus queria a pobreza das pessoas para que pudessem gozar de felicidade. Confundia pobreza (miséria) com liberdade de espírito. Ser pobre, no contexto da pregação de Jesus, é muito mais do que não ter bens; é estar livre deles para aceitar a pessoa e a proposta de Jesus, seu Reino de justiça e de paz.
            Ensinava aos pobres que necessitavam ser humildes e submissos para que assim pudessem ser ajudados. Não deviam ser “teimosos”, nem “reclamões”. E mais ainda, deviam rezar pelos ricos, para que eles sempre tivessem muitos bens e, assim sendo bons, os ajudassem sempre de novo!
            Igualmente, a partir da interpretação superficial de diversos textos bíblicos, principalmente do Antigo Testamento, justificavam-se as riquezas dos ricos com as bênçãos de Deus dados aos bons. Hoje sabe-se que a “heresia”  chamada de teologia da prosperidade faz justamente isso! Alguém possui muitos bens porque Deus o abençoou, dizia-se.
            Para que Deus continuasse a olhar com bons olhos para os ricos, pedia-se que fossem sempre bons; que ajudassem os pobres. (Falava-se com entusiasmo dos ricos que dão esmolas). Os ricos que deram algo para a comunidade são reconhecidos, e muitas vezes colocados em destaque, e, têm seus privilégios.
            O pobre que sofre e morre sem a mínima dignidade, sem condições de sustentar e educar sua família, é sem sorte e, pior, padece porque Deus assim o quer! Blasfêmia!

Deus é comunhão
            Mesmo que a partir do Vaticano II a Igreja e o mundo são convidados a olhar a realidade com outros olhos – os do Evangelho e da pessoa de Jesus de Nazaré -, ainda se constata muito da visão errada, como vimos. Deus, com certeza, nunca quis esta divisão entre seus filhos, ricos bons e pobres humilhados. Ele, para quem crê no mistério trinitário, é Pai, é Filho e é Espírito de Amor. Isto é, comunhão. O Pai ama e se doa ao Filho; o Filho ama e se doa ao Pai; e, este Amor é o Espírito. Comunhão perfeita.
            O Deus Uno e Trino não nos ensina uma boa moral, mas Ele mesmo se comunica e se doa. Que quer dizer isso? Muito mais do que dar conselhos aos pobres e outros tantos aos ricos; quer dizer que este Deus convida tanto pobres como ricos a entrar no seu mistério, deixando-se transformar pelo amor verdadeiro que se doa. É a graça de Deus oferecida ao ser humano. É Deus mesmo que se comunica para que o ser humano possa experimentá-lo e começar a viver vida nova.
            Se o Pai, o Filho e o Espírito Santo são comunhão, os cristãos – que professam este mistério – tem a missão de retratar esta comunhão no mundo. Claro é que tal comunhão sempre será imperfeita, uma vez que o ser humano é imperfeito, mas colaborando com a graça de Deus, o ser humano pode fazer “grandes coisas”.

Ser cristão
            Não existe outra saída, ser cristão de verdade não admite continuar aceitando que é normal existirem os ricos abençoados e os pobres amaldiçoados. Jesus é claríssimo: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8,34), isto desafia a qualquer um. Aceitar a graça de Deus exige transformação. Se Deus é doação total, o cristão deve começar a se doar, e onde houver qualquer injustiça, qualquer sinal de egoísmo, lá ele vai ser uma pedra de tropeço. O cristão não pode se acomodar. Ele, necessariamente, vai ter que lutar contra tudo o que causa separação entre as pessoas, também o que causa a separação entre os “ricos bons” e os “pobre humilhados”. É o que a Igreja em nosso continente sul-americano tem anunciado com muita força nas últimas décadas: o Evangelho precisa transformar as estruturas e os sistemas corruptos que são causa de tantos males.
            O cristão, coerente com sua fé, não pode aceitar interesses espúrios, negociações vantajosas, mas prejudiciais aos outros, falsas ideologias que justificam os lucros exorbitantes dos gananciosos. Se, para Deus, o amor é o seu natural, como dizem os grandes teólogos, também para o cristão o amor deve ser o seu natural.
            Se, conforme Jesus anunciou, no Reino, Deus não é o Senhor, mas o Pai misericordioso, também entre os cristãos não podem mais haver os “senhores” e os “súditos”, mas somente os irmãos, lá reina a paz, fruto da justiça e do amor. Amor este, infundido pelo Espírito do Pai e do Filho, mas acolhido e vivido em comunidade. Portanto, a comunidade cristã não pode ser outra coisa do que comunhão. Caso em nossas comunidades não existir uma verdadeira busca desta comunhão, ainda não entendemos nada do mistério do Deus-Amor revelado por Jesus de Nazaré, que tantas vezes proclamamos com o Senhor, sem saber o que isso implica.
Pe. Mário Fernando Glaab

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